Acção Administrativa Comum e
Acção Administrativa Especial
De forma a superar o seu passado difícil e uma infância marcada por
traumas e contradições, o actual modelo constitucional de Contencioso
Administrativo consagra, finalmente, um novo sistema, assente numa matriz de
dicotomia entre dois meios processuais: a acção administrativa comum e a acção
administrativa especial. Embora estejam em causa tramitações processuais
distintas, este novo modelo de justiça administrativa consagra uma ideia comum:
a garantia dos direitos subjectivos dos particulares e uma tutela efectiva do
acesso à justiça administrativa.
A Ação Administrativa Comum
A delimitação do âmbito de aplicação da acção
administrativa comum relativamente à acção administrativa especial (artigos 37º
e 46º do CPA) assenta, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, em dois
critérios:
Um
primeiro de natureza processual; e um segundo de natureza substantiva.
A aparente delimitação por exclusão de partes, segundo a qual pertenceriam ao
âmbito da acção administrativa comum todos os processos especialmente
regulados, tem subjacente um critério substantivo, em que a delimitação dos
dois meios processuais é feita em razão das formas de actuação administrativa.
Decorre também que à acção administrativa
comum sejam aplicadas as regras do “processo de declaração regulado no CPC, nas
formas ordinárias, sumária e sumaríssima (artigo 35º, nº1 do CPA), enquanto que
a forma de processo da acção administrativa especial se encontram regulada na
legislação do Contencioso Administrativo.
Por detrás desta diferenciação de regimes
processuais existe, contudo, uma motivação de natureza substantiva e que conduz
à distinção de um meio processual “especial”, para actos e regulamentos
administrativos, de outro “comum”, para as demais formas de actuação
administrativa. Daí resultando, que a acção administrativa especial é o meio
processual adequado para o julgamento de contratos, de actuações informais e
técnicas ou de operações materiais. Este critério em função das formas de
actuação administrativa não impede, contudo o legislador de estabelecer que
ainda cabe na acção comum o conhecimento de actos ou de regulamentos
administrativos, só que apenas indirectamente, enquanto simples factos
jurídicos (artigo 37º, nº2 e 38º do CPA). O que ainda poderia ser justificável,
de acordo com o referido critério, considerando que, nesses casos, o que se
encontra em juízo não é já, em si mesmo, o poder administrativo exercido mas
sim as consequências desse acto, ou desse regulamento, enquanto factos
jurídicos relevantes no quadro das relações jurídicas administrativas
duradouras ou subsequentes. Verificando-se uma mera apreciação incidental do
acto ou do regulamento, que não são afectados na respectiva vigência pela
sentença do juiz, que aprecia antes a globalidade da relação jurídica duradoura
ou subsequente. Verificando-se uma mera apreciação incidental do acto ou do
regulamento, que não são afectados na respectiva vigência pela sentença do
juiz, que aprecia ante a globalidade da relação jurídica. Na verdade, o que tal
explicação vem tornar mais patente é a artificialidade da distinção dos meios
processuais assente na lógica do “poder administrativo”, ou das formas de
actuação administrativa, ao mesmo tempo que vem mostrar que o objecto do
Contencioso Administrativo não é nunca o “poder” administrativo exercido, mas
sim as relações jurídicas administrativas (artigo 38º do CPA).
A acção administrativa comum abrange, por
isso e primeiro que tudo, o contencioso das acções em matéria da
responsabilidade civil extracontratual e em matéria contratual – tal como
determinam as alíneas f) e h) do n.º 2 do art.º 37 do CPTA. É por esta razão
que parte das disposições particulares do código, no universo restrito da acção
administrativa comum, diz respeito a estes processos.
Entre aquelas disposições, merece ser
destacado o art.º 40.º que aumenta consideravelmente a legitimidade para fazer
valer a invalidade, seja ela total ou parcial, dos contratos celebrados pela
Administração Pública e para levantar questões relativas à execução desses
contratos muito para lá das partes na relação contratual.
Além das acções de responsabilidade e sobre
contratos, a acção administrativa comum é a forma que corresponde a todo e
qualquer processo em que se pretenda a condenação da administração ao
cumprimento de deveres de prestar que não envolvam a emissão de um acto
administrativo impugnável, nem devam ser alvo de um dos dois processos urgentes
de intimação que o código prevê nos seus art.ºs 104 e ss.
A acção administrativa comum acolhe ainda acções
não nominadas – às quais se referia anteriormente o art.º 73.º da LPTA – e que
podem ser, nomeadamente, intentadas por entidades públicas contra outras
entidades públicas ou ainda contra particulares. Aliás, o elenco
exemplificativo das pretensões passíveis de encontrar abrigo na acção
administrativa comum que se encontra no n.º 2 do art.º 37 do CPTA não pretende
mais do que clarificar o sentido da fórmula genérica enunciada no n.º 1,
esclarecendo os interessados sobre alguns dos principais tipos de pretensões
que, individualmente ou em conjunto, podem tentar concretizar através da acção
administrativa comum.
De seguida fazemos uma breve abordagem à problemática do contencioso da
responsabilidade civil pública, procurando explicar o seu conceito e modo de
funcionamento.
Nos dias que correm, as questões relacionadas
com o contencioso da responsabilidade civil pública continuam a reter grande
importância, uma vez que a responsabilidade civil das entidades públicas
constitui um verdadeiro “pilar” do Estado de Direito, encontrando-se
inclusivamente consagrada na Constituição da República Portuguesa (artigo.
22º). Do mesmo modo a reforma do contencioso administrativo português, entrada
em vigor em 2004, ficou incompleta no que respeita á responsabilidade civil
pública.
Na realidade, a reforma de 2004,constitui um
marco fundamental na evolução do contencioso administrativo português, visto
que anteriormente a esta reforma vigorava em Portugal um sistema de contencioso
administrativo completamente ilógico, que se caracterizava por assentar numa
distinção entre gestão pública e gestão privada que já há muito tempo que se
encontrava ultrapassada.
A reforma do Contencioso Administrativo vem
abrir novas perspectivas ao contencioso da responsabilidade civil ao consagrar
a unidade jurisdicional. No entanto, a unidade jurisdicional consagrada
continuava a reunir um conjunto de “equívocos”, enquanto que, por seu turno a
dualidade legislativa se mantinha.
Ao contrário do que sucedia no passado, no
qual se distinguia o contencioso da responsabilidade civil administrativa,
actualmente é sempre competente a justiça administrativa para todo o
contencioso da responsabilidade civil pública, o que nos leva a qualificar como
administrativa, para efeitos processuais, qualquer relação de responsabilidade
civil pública.
No que
se refere á delimitação negativa do âmbito da jurisdição, a unificação do
contencioso da responsabilidade civil pública parece não ter sido realizada da
maneira mais adequada, uma vez que ao levar a unificação até ás últimas
consequências, o legislador acabou por admitir certas situações em que se
continua a verificar a dualidade de jurisdições.
Atendendo ao Código de Processo nos Tribunais
Administrativos e Fiscais, deve-se realçar que este instituiu dois meios
processuais principais:
- a acção administrativa comum (presente nos
artigos 37º e seguintes)
- a acção administrativa especial (artigos
46º e seguintes)
No que respeita á lógica defendida pelo
Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, as questões de
responsabilidade civil pública geram pedidos susceptíveis de ser tutelados, em
princípio, pela acção administrativa comum.
Por fim, deve-se salientar que a superação
dos “traumas” da Justiça Administrativa, mediante a revalorização da acção de
responsabilidade civil pública, é um fenómeno comum a muitas das últimas
reformas do Contencioso Administrativo de diferentes países europeus, ocorridas
nos últimos anos do século XX e nos primeiros anos do século XXI (por ex:
França, Itália, Portugal, Reino Unido), levando a um movimento de
“europeização” do Contencioso Administrativo.
Acção Administrativa Especial
A acção administrativa especial - ao
contrário do que o seu nome parece sugerir - é o meio principal do Contencioso
Administrativo. É um meio processual que tutela de forma eficaz os direitos
subjectivos do particulares e das suas relações administrativas, uma vez que
tem uma larga margem de aplicação (o Prof. Vasco Pereira de Silva qualifica-a
de “acção banda larga”) e permite ao particular ver os seus direitos tutelados
através da formulação dos mais variados pedidos e, consequentemente, através de
uma ampla variedade de efeitos das sentenças.
Decorre da leitura da decisão
proferida no Acórdão Tribunal Central Administrativo Norte em 08 de Abril de
2011 que a acção administrativa especial constitui o meio idóneo - e o meio
legalmente imposto pelo art. 46º CPTA - para resolver os litígios em que a
Administração manifesta os seus poderes de autoridade (através da prática actos
administrativos ou edição normas), sendo a forma processual adequada na qual se
apreciam e julgam apenas os litígios que se prendam com impugnação actos
administrativos/regulamentos ou normas administrativas, pedidos de condenação à
prática de actos devidos e de declaração de ilegalidade por omissão de normas
administrativas [arts. 37.º e 46.º do CPTA].
Por sua vez, o artigo 66º CPTA dispõe que “… acção
administrativa especial pode ser utilizada para obter a condenação da entidade
competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo
ilegalmente omitido ou recusado …”, sendo que ainda “… que a prática do acto
devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão
do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica
resulta directamente da pronúncia condenatória …” .
Da análise das normas mencionadas, podemos retirar a
ideia de que o legislador quis estabelecer um critério de distinção entre as
duas formas processuais, nomeadamente o de integrar na acção administrativa
especial os processos relativos a actos e regulamentos administrativos,
enquanto que a acção administrativa comum trataria dos litígios administrativos
sem regulação específica.
Para facilitar o entendimento desta questão, Mário
Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira vêm esclarecer que para “…
que se possa afirmar que uma situação jurídica decorre directamente de uma
norma administrativa - conceito que vai aqui referido à matéria sobre que versa
a norma, abrangendo, por isso, além dos regulamentos, as leis, os actos
normativos de direito internacional ou comunitário e as próprias normas da
Constituição - parece ser necessário que se verifiquem pelo menos dois
requisitos (semi-fundíveis), a saber: - O primeiro (de carácter positivo) é que
a situação que se pretende ver reconhecida ou «acertada» se encontre definida
na norma em causa, mesmo que de forma genérica, com um mínimo de clareza ou
precisão, não carecendo a sua efectivação de qualquer juízo valorativo próprio
do exercício da função administrativa; - O segundo (de carácter negativo) é que
o reconhecimento da situação em causa não se encontre sujeito a decisão
(pronúncia) administrativa prévia. Sabe-se, na verdade, que em muitos casos a
lei substantiva faz depender o reconhecimento de situações administrativas de
um pedido (requerimento) do interessado dirigido à Administração, a qual, por
isso, nesses casos só pode ser accionada judicialmente depois de instada ou
«provocada» a pronunciar-se sobre a pretensão em causa (…). Quando suceda
assim, o interessado deve aguardar pela decisão administrativa (ou pelo decurso
do prazo fixado para a sua emissão) e, em caso de insucesso, de falta de
pronúncia ou de recusa de reconhecimento, propor uma acção administrativa especial
de condenação à prática do acto devido, não a acção administrativa comum deste
art. 37.º …”. E reportando-se à referida alínea b) referem ainda que se trata
“… do «reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições» a obter,
como as da alínea a), em acções de simples apreciação, não condenatórias,
subsumíveis no quadro da acção comum - salvo quando se trate de qualidades ou
condições cujo reconhecimento esteja sujeito à exigência de decisão
administrativa prévia, de um acto administrativo, porque aí, para reagir contra
esse acto ou contra a sua omissão, há lugar à acção administrativa especial…”
Sucintamente,
daqui podemos retirar que fazem parte do âmbito das acções especiais:
- O recurso de anulação entendido em termos amplos;
- A acção para reconhecer direitos.
- O contencioso dos regulamentos, também ele entendido
em termos amplos.
Sendo que estas por sua vez comportam a pedidos como:
- Impugnação de actos administrativos;
- Condenação à prática do acto devido;
- Acções relativas a normas.
É quase redutor indicar os pedidos referentes deste
tipo de acção, ou até mesmo referir alguns exemplos da sua amplitude. A verdade
é que este tipo de acções abrange uma série de pedidos que, ainda que sejam
enquadrados nos acima indicados, devido aos termos em que foram estes ampliados
após a reforma do contencioso, abarcam variadas hipóteses a ser reconduzidas
para as acções administrativas especiais em questão de justiça administrativa.
Nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, “cada meio processual é uma
espécie de acção-quadro (…) na qual cabem as mais distintas “sub-secções”,
qualificadas em razão do respectivo pedido e que podem dar origem a qualquer
das modalidades das sentenças. Tão ou mais importante do que a enumeração dos
meios processuais (…) são os pedidos susceptíveis de ser formulados, ou quais
os efeitos das sentenças correspondentes a tais pedidos”.
Conhecendo ambos os tipo de
acções administrativas, é agora importante perceber a dicotomia acção
comum/acção especial.
Temos no art. 268º/4 o direito
fundamental que consideramos ser a “pedra angular” do Processo Administrativo –
é não só um direito fundamental dos particulares como um princípio fundamental
de organização do Contencioso Administrativo, cuja última redacção (decorrente
da revisão constitucional de 1997) definiu que hoje são os diferentes meios
processuais que se centram no princípio da tutela plena e efectiva dos direitos
dos particulares (e não o contrário!).
Hoje temos um sistema que prima
por uma protecção plena e efectiva, garantida através de sentenças das quais
podem decorrer variados efeitos, tais como a simples apreciação, o
reconhecimento de direitos à condenação, a impugnação de actos administrativos
e imposição de medidas cautelares. Os tribunais administrativos são tribunais
verdadeiros e próprios, cujas sentenças não possuem qualquer limitação natural;
no entanto, não podemos esquecer que para assegurar o direito fundamental de
acesso à justiça administrativa é necessário um Processo Administrativo que
atribua um meio de defesa adequado a cada direito do particular.
A reforma do Contencioso
Administrativo português foi feita nas linhas do modelo latino, que se
caracteriza pela unificação de todos os meios processuais, independentemente
dos pedidos ou efeios das sentenças; no entanto, optou o legislador por
consagrar uma dicotomia, quanto aos meios processuais, entre acção comum e
acção especial, sendo que dentro de cada um cabem diversas sub-acções
(dependendo do respectivo pedido) e se podem verificar tantos géneros de
efeitos das sentenças quanto pedidos
possivelmente formulados.
Vemos consagrado, no artigo 2º
do Código do Procedimento Administrativo, o princípio da tutela judicial
efectiva, que estabele o direito de obter uma decisão judicial favorável atempadamente.
Já o artigo 7º do mesmo código explica o conteúdo do princípio, estatuindo que
este implica o direito a uma justiça material que não se limita a uma mera
apreciação formal do litígio.
Assim sendo, percebemos que há
que determinar qual o pedido susceptível de ser avaliado de modo a determinar
os poderes de pronúncia do juíz. É o nº 2 do artigo 2º do Código do
Procedimento Administrativo que enumera, exemplificativamente, os poderes de
pronúncia judicial que integram o princípio da tutela efectiva; no entanto,
esta categorização não corresponde à dos meios processuais consagrados na
reforma referida. Ou seja, hoje temos tribunais administrativos com poderes de
pronúncia que já não se distinguem, em termos de amplitude, dos de qualquer
outro tribunal.
Importa agora, então,
perceber qual é o critério de distinção
entre a acção administrativa comum e a especial. Comparando os artigos 37º e
46º do Código do Processo Administrativo, parece-nos que o legislador da reforma
decidiu considerar que pertencem à acção administrativa comum todos os litígios
administrativos não especialmente regulados, sedo que os processos relativos a
actos e a regulamentos administrativos vão integrar a acção administrativa
especial. No entanto, não podemos deixar de considerar esta denominação de
acção administrativa especial infeliz: tomando como exemplo o regime da
cumulação de pedidos, consagrado nos artigos 4º e 5º do Código do Processo
Administrativo, verificamos que nele se determina que sempre que os pedidos
cumulados correspondam a diferentes formas de processo deve adoptar-se a forma
de acção administrativa especial. Ou seja, daqui retiramos que a chamada acção
administrativa especial vai, na prática, ser comum no sentido de ser aquele
mais característica e frequentemente utilizada. Mais até: não é apenas a
escolha de nomes inadequada, mas parece-nos até ter havido um “lapso”.
Não podemos ainda esquecer-nos
de referir que o rpoblema dos poderes de pronúncia judicial pode ainda ser
apreciado de outra perspectiva, de modo a perceber-mos se o Contencioso
Administrativo se ocupa apenas de questões de legalidade ou se também as
mérito. Dá-nos a resposta o artigo 3º, que estatui alterações de grande
importância em relação à natureza dos poderes do juíz administrativo, e que vem
afastar a ideia de que o processo Administrativo corresponde a um mero controlo
de legalidade, mesmo continuando o controlo da actuação administrativa a estar
relacionado com a verificação do cumprimento do direito sem que o tribunal
intervenha na esfera de actuação reservada à Administração; passando assim de um contencioso de mera anulação para um de plena jurisdição.
Trabalho Realizado por:
João Castelo Branco
Cunha
José Pedro Soares
Margarida Sobral
Susana Farinhas