terça-feira, 29 de outubro de 2013

Resolução do caso prático da página 101 d´O Processo Administrativo em Acção (parte relativa às providências cautelares)


II

1-

a)      Para resolver este caso, importa antes de tudo dizer que, como tínhamos visto anteriormente, a ONGA “ Exército de Salvação da Natureza” tem legitimidade para intentar uma acção de impugnação do acto administrativo de licenciamento da construção do edifício feito pela Câmara Municipal, segundo o nº2 do artigo 9º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. De facto, apesar de a ONGA não ter interesse directo na demanda (por não ser à partida constituída apenas por moradores dos concelhos de Sintla e Castais), esta ONGA é uma associação ambientalista e, estando aqui em causa a defesa de um direito constitucionalmente protegido (o direito ao ambiente, consagrado no artigo 66º da Constituição da República Portuguesa), tem legitimidade para intentar a acção de impugnação do acto administrativo.

A grande questão que devemos colocar aqui é se, tendo a ONGA legitimidade para intentar uma acção contra a autarquia de Castais, pode esta associação ambientalista propor uma providência cautelar neste caso. A resposta deve ser obviamente positiva. De facto, o nº1 do artigo 112º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ao dizer “ Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”, está a permitir não só aos particulares que recorrem à justiça administrativa em defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos mas também ao Ministério Público (como aliás, refere o nº1 do artigo 124º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e ao actor popular requerer providências cautelares. Sendo a ONGA um actor popular neste caso e tendo legitimidade para intentar uma acção popular contra a autarquia de Castais, também poderá propor uma providência cautelar contra a mesma autarquia, segundo o nº1 do artigo 112º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Mas que providências cautelares poderia eu, enquanto advogado da ONGA, utilizar para assegurar a defesa do meu cliente?

A primeira providência que eu proporia neste caso contra a autarquia seria a suspensão da eficácia do acto administrativo de licenciamento da obra (providência aliás admitida pela alínea a) do nº2 do artigo 112º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). Esta providência cautelar é a providência cautelar conservatória por excelência, pois destina-se a conservar o direito de um particular e tutela uma situação jurídica estática (aquela em que a situação do particular não depende de prestações de outrem, pelo que o proponente apenas pretende que os demais se abstenham da adopção de condutas que ponham em causa a situação em que está investido), dado que, na suspensão da eficácia de um acto administrativo, o proponente apenas pretende que o seu direito não seja violado pela Administração Pública, não lhe exigindo qualquer prestação de facto. Neste caso, os habitantes da zona de Sintla-Castais seriam afectados negativamente pela licença da construção do edifício (acto administrativo de conteúdo positivo), pelo que a ONGA, enquanto actor público e actuando para defesa do direito ao ambiente, deverá requerer a suspensão da eficácia deste acto administrativo para impedir a execução deste acto e a consequente modificação introduzida na ordem jurídica pelo mesmo.

Assim, neste caso, a suspensão da eficácia do acto de licenciamento seria a principal providência cautelar que a ONGA poderia requerer contra a autarquia em tribunal.  No entanto, será que outras providências cautelares poderiam ser intentadas neste caso, nomeadamente as providências cautelares especificadas do Código de Processo Civil (permitidas pelo nº2 do artigo 112º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos)? Vemos que não, pois nem o embargo de obra nova era admissível aqui por não estar aqui em causa uma ofensa do direito de propriedade em consequência da obra autorizada pelo acto administrativo de licenciamento (nº1 do artigo 397º do Código de Processo Civil, a contrario).

Consequentemente, eu, enquanto advogado de Manuel Empata e da ONGA “ Exército de Salvação da Natureza”, requereria neste caso a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo de licenciamento para assegurar a defesa do meu cliente. Esta providência cautelar poderia ser intentada antes da acção principal (como preliminar) ou durante e depois (como incidente).

Há algum prazo para eu intentar a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo de licenciamento neste caso? Eu diria que não, pois, considerando que o acto administrativo de licenciamento é nulo por violação do conteúdo essencial de um direito fundamental (o direito ao ambiente, cujo conteúdo essencial foi violado por este acto por a construção do edifício no parque natural Sintla-Castais violar o direito ao ambiente de vida ecologicamente equilibrado dos habitantes de Sintla-Castais reconhecido pelo nº1 do artigo 66º da Constituição da República Portuguesa), não há prazo para a interposição da acção contra a autarquia, segundo o nº1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nem para a proposição da providência cautelar. E se o acto for apenas anulável por violação de normas de Direito Administrativo (nomeadamente, normas de planeamento que obrigavam a autarquia a fazer um estudo prévio sobre o impacto ambiental)? Ou se for anulável por violação do princípio da proporcionalidade estabelecido no nº2 do artigo 5º do Código de Processo Administrativo ( que foi desrespeitado pela autarquia de Castais porque o acto de licenciamento colidiu com o direito subjectivo ao ambiente dos habitantes de Sintla-Castais e não foi necessário para a prossecução do interesse público referido para a autarquia de Castais, que era o fomento do estudo da genética e da biotecnologia, pois o edifício podia ter sido construído noutra área que não fosse uma área protegida)? Neste caso, segundo a alínea b) do nº2 do artigo 58º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, Manuel Empata deveria intentar a acção de anulação do acto administrativo no prazo de três meses a contar do conhecimento do mesmo mas não existe nenhum prazo para a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo ser requerida pelo mesmo (ao contrário do que uma corrente jurisprudencial afirmava anteriormente, ao estabelecer que esta providência deveria ser intentada dentro do prazo estabelecido para a acção de anulação do acto).

Assim, independentemente de eu considerar o acto administrativo nulo ou anulável, requereria a suspensão da eficácia do acto administrativo para defesa do meu cliente.

 

2-

 

a)      Se eu fosse advogado da autarquia de Castais, invocaria vários argumentos para defender a minha cliente.

Admitindo que a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo de licenciamento foi requerida e que o acto de licenciamento ainda não foi executado por a obra ainda não ter começado, aplicaria aqui o artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Assim sendo, se a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo foi requerida, eu aconselharia a autarquia de Castais a, depois de ter recebido o duplicado do requerimento desta providência cautelar, reconhecer, no prazo de 15 dia, que o diferimento da execução do acto administrativo de licenciamento seria gravemente prejudicial para o interesse público, através de resolução fundamentada (o que é permitido pela segunda parte do nº1 do artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). Fazendo isto, a autarquia de Castais poderá iniciar a obra licenciada.

Os argumentos que a autarquia de Castais poderia usar na sua resolução seriam que a construção da obra aumentaria o emprego na região de Sintla-Castais, dado que todos os trabalhadores na sede da Fundação Champamilhão seriam habitantes da zona de Sintla-Castais e que a consequente inexecução do acto administrativo traria graves prejuízos à vida económica e social dos concelhos ( o desemprego manter-se-ia elevado e não diminuiria e grande parte da população continuaria a viver em grandes carências económicas). A autarquia de Castais também poderia argumentar que a construção da obra traria um maior investimento da União Europeia ao desenvolvimento do estudo da genética e da biotecnologia em Portugal e aumentaria a qualidade e a esperança de vida da população, pois, na sede da fundação Champamilhão, estudar-se-iam doenças que afectam a população mundial (incluindo a portuguesa) e encontrar-se-ia cura para as mesmas.

Todos estes argumentos poderiam ser usados pela autarquia de Castais na resolução que reconheceria que o diferimento da execução do acto administrativo seria gravemente prejudicial para o interesse público.

Contudo, se Manuel Empata, enquanto presidente da ONGA “ Exército de Salvação da Natureza”, tivesse requerido o decretamento provisório da providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo nos termos do nº1 do artigo 131º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por a providência se destinar a tutelar o direito ao ambiente dos habitantes de Sintla-Castais, direito esse que não podia ser exercido em tempo útil de outra forma ( por a construção da sede da Fundação Champamilhão ser eminente), já a autarquia nada poderia fazer. Isto acontece porque o juiz , colhidos os elementos a que tenha acesso imediato e sem quaisquer outras formalidades e diligências, decreta provisoriamente a providência requerida (ou aquela que julgue mais adequada) no prazo de 48 horas por se entender que a petição permite reconhecer a possibilidade de lesão iminente e irreversível ao direito ao ambiente dos habitantes de Sintla-Castais (nº3 do artigo 131º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e por, consequentemente, a decisão provisória não poder ser impugnada (nº5 do artigo 131º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Consequentemente, quando Manuel Empata não requer o decretamento provisório da providência,aplica-se o artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e a autarquia de Castais ainda pode optar pela resolução fundamentada e opor-se à providência requerida por Manuel Empata. Contudo, se o decretamento provisório da providência for requerido e o juiz entender que há possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, já a decisão provisória não pode ser impugnada e a autarquia não se poderá opor à suspensão da eficácia do acto administrativo. A única coisa que a autarquia poderia fazer era, segundo o nº6 do artigo 131º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no prazo de cinco dias depois de ser notificada para cumprir a providência provisória, se pronunciar sobre o levantamento, manutenção ou alteração da providência.

E se, em vez da suspensão da eficácia do acto administrativo, tivesse sido requerida o embargo de obra nova, providência cautelar especificada que é consagrada no artigo 397º e seguintes do Código de Processo Civil? Neste caso, a vida da minha cliente estaria muito mais facilitada, pois, apesar de em abstracto esta providência poder ser requerida na Justiça Administrativa pela parte inicial do nº2 do artigo 112º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, neste caso esta providência não pode ser aplicada neste caso em concreto. Isto acontece porque, por um lado, o embargo de obra nova só se aplicaria se os habitantes de Sintla-Castais se vissem ofendidos no seu direito de propriedade, singular ou comum, com a construção da sede da Fundação Champamilhão, segundo o nº1 do artigo 397º do Código de Processo Civil (o que não acontece aqui porque a construção da obra apenas viola o seu direito ao ambiente). Logo, esta providência cautelar seria totalmente inadequada para resolver o litígio entre as partes e deveria ter sido rejeitada pelo juiz logo quando foi proposta.

 

Guilherme Gomes

140110022

 

Fontes:

 

ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Março de 2013, págs.437-498

Sem comentários:

Enviar um comentário