II
1-
a) Para
resolver este caso, importa antes de tudo dizer que, como tínhamos visto
anteriormente, a ONGA “ Exército de Salvação da Natureza” tem legitimidade para
intentar uma acção de impugnação do acto administrativo de licenciamento da
construção do edifício feito pela Câmara Municipal, segundo o nº2 do artigo 9º
do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. De facto, apesar de a ONGA
não ter interesse directo na demanda (por não ser à partida constituída apenas por
moradores dos concelhos de Sintla e Castais), esta ONGA é uma associação
ambientalista e, estando aqui em causa a defesa de um direito
constitucionalmente protegido (o direito ao ambiente, consagrado no artigo 66º
da Constituição da República Portuguesa), tem legitimidade para intentar a
acção de impugnação do acto administrativo.
A grande questão
que devemos colocar aqui é se, tendo a ONGA legitimidade para intentar uma
acção contra a autarquia de Castais, pode esta associação ambientalista propor
uma providência cautelar neste caso. A resposta deve ser obviamente positiva.
De facto, o nº1 do artigo 112º do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, ao dizer “ Quem possua legitimidade para intentar um processo
junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou
das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem
adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”, está
a permitir não só aos particulares que recorrem à justiça administrativa em
defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos mas também ao
Ministério Público (como aliás, refere o nº1 do artigo 124º do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos) e ao actor popular requerer providências cautelares. Sendo a ONGA um
actor popular neste caso e tendo legitimidade para intentar uma acção popular contra
a autarquia de Castais, também poderá propor uma providência cautelar contra
a mesma autarquia, segundo o nº1 do artigo 112º do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos.
Mas que
providências cautelares poderia eu, enquanto advogado da ONGA, utilizar para
assegurar a defesa do meu cliente?
A primeira
providência que eu proporia neste caso contra a autarquia seria a suspensão da
eficácia do acto administrativo de licenciamento da obra (providência aliás
admitida pela alínea a) do nº2 do artigo 112º do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos). Esta providência cautelar é a providência cautelar
conservatória por excelência, pois destina-se a conservar o direito de um
particular e tutela uma situação jurídica estática (aquela em que a situação do
particular não depende de prestações de outrem, pelo que o proponente apenas
pretende que os demais se abstenham da adopção de condutas que ponham em causa
a situação em que está investido), dado que, na suspensão da eficácia de um
acto administrativo, o proponente apenas pretende que o seu direito não seja
violado pela Administração Pública, não lhe exigindo qualquer prestação de
facto. Neste caso, os habitantes da zona de Sintla-Castais seriam afectados
negativamente pela licença da construção do edifício (acto administrativo de
conteúdo positivo), pelo que a ONGA, enquanto actor público e actuando para
defesa do direito ao ambiente, deverá requerer a suspensão da eficácia deste
acto administrativo para impedir a execução deste acto e a consequente
modificação introduzida na ordem jurídica pelo mesmo.
Assim, neste caso,
a suspensão da eficácia do acto de licenciamento seria a principal providência
cautelar que a ONGA poderia requerer contra a autarquia em tribunal. No entanto, será que outras providências
cautelares poderiam ser intentadas neste caso, nomeadamente as providências
cautelares especificadas do Código de Processo Civil (permitidas pelo nº2 do
artigo 112º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos)? Vemos que
não, pois nem o embargo de obra nova era admissível aqui por não estar aqui em
causa uma ofensa do direito de propriedade em consequência da obra autorizada
pelo acto administrativo de licenciamento (nº1 do artigo 397º do Código de
Processo Civil, a contrario).
Consequentemente,
eu, enquanto advogado de Manuel Empata e da ONGA “ Exército de Salvação da
Natureza”, requereria neste caso a providência cautelar de suspensão da eficácia
do acto administrativo de licenciamento para assegurar a defesa do meu cliente.
Esta providência cautelar poderia ser intentada antes da acção principal (como
preliminar) ou durante e depois (como incidente).
Há algum prazo
para eu intentar a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto
administrativo de licenciamento neste caso? Eu diria que não, pois,
considerando que o acto administrativo de licenciamento é nulo por violação do
conteúdo essencial de um direito fundamental (o direito ao ambiente, cujo
conteúdo essencial foi violado por este acto por a construção do edifício no parque
natural Sintla-Castais violar o direito ao ambiente de vida ecologicamente equilibrado
dos habitantes de Sintla-Castais reconhecido pelo nº1 do artigo 66º da
Constituição da República Portuguesa), não há prazo para a interposição da
acção contra a autarquia, segundo o nº1 do artigo 58º do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, nem para a proposição da providência cautelar. E se o
acto for apenas anulável por violação de normas de Direito Administrativo
(nomeadamente, normas de planeamento que obrigavam a autarquia a fazer um
estudo prévio sobre o impacto ambiental)? Ou se for anulável por violação do
princípio da proporcionalidade estabelecido no nº2 do artigo 5º do Código de
Processo Administrativo ( que foi desrespeitado pela autarquia de Castais
porque o acto de licenciamento colidiu com o direito subjectivo ao ambiente dos
habitantes de Sintla-Castais e não foi necessário para a prossecução do
interesse público referido para a autarquia de Castais, que era o fomento do
estudo da genética e da biotecnologia, pois o edifício podia ter sido
construído noutra área que não fosse uma área protegida)? Neste caso, segundo a
alínea b) do nº2 do artigo 58º do Código do Processo nos Tribunais
Administrativos, Manuel Empata deveria intentar a acção de anulação do acto
administrativo no prazo de três meses a contar do conhecimento do mesmo mas não
existe nenhum prazo para a providência cautelar de suspensão da eficácia do
acto administrativo ser requerida pelo mesmo (ao contrário do que uma corrente
jurisprudencial afirmava anteriormente, ao estabelecer que esta providência
deveria ser intentada dentro do prazo estabelecido para a acção de anulação do
acto).
Assim,
independentemente de eu considerar o acto administrativo nulo ou anulável,
requereria a suspensão da eficácia do acto administrativo para defesa do meu
cliente.
2-
a)
Se eu fosse advogado da autarquia de Castais, invocaria
vários argumentos para defender a minha cliente.
Admitindo que a providência cautelar de suspensão da
eficácia do acto administrativo de licenciamento foi requerida e que o acto de
licenciamento ainda não foi executado por a obra ainda não ter começado,
aplicaria aqui o artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos. Assim sendo, se a providência cautelar de suspensão da
eficácia do acto administrativo foi requerida, eu aconselharia a autarquia de
Castais a, depois de ter recebido o duplicado do requerimento desta providência
cautelar, reconhecer, no prazo de 15 dia, que o diferimento da execução do acto
administrativo de licenciamento seria gravemente prejudicial para o interesse
público, através de resolução fundamentada (o que é permitido pela segunda
parte do nº1 do artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos). Fazendo isto, a autarquia de Castais poderá iniciar a obra
licenciada.
Os argumentos que a autarquia de Castais poderia usar
na sua resolução seriam que a construção da obra aumentaria o emprego na região
de Sintla-Castais, dado que todos os trabalhadores na sede da Fundação
Champamilhão seriam habitantes da zona de Sintla-Castais e que a consequente
inexecução do acto administrativo traria graves prejuízos à vida económica e
social dos concelhos ( o desemprego manter-se-ia elevado e não diminuiria e
grande parte da população continuaria a viver em grandes carências económicas).
A autarquia de Castais também poderia argumentar que a construção da obra traria
um maior investimento da União Europeia ao desenvolvimento do estudo da
genética e da biotecnologia em Portugal e aumentaria a qualidade e a esperança de
vida da população, pois, na sede da fundação Champamilhão, estudar-se-iam
doenças que afectam a população mundial (incluindo a portuguesa) e
encontrar-se-ia cura para as mesmas.
Todos estes argumentos poderiam ser usados pela
autarquia de Castais na resolução que reconheceria que o diferimento da
execução do acto administrativo seria gravemente prejudicial para o interesse
público.
Contudo, se Manuel Empata, enquanto presidente da ONGA
“ Exército de Salvação da Natureza”, tivesse requerido o decretamento
provisório da providência cautelar de suspensão da eficácia do acto
administrativo nos termos do nº1 do artigo 131º do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, por a providência se destinar a tutelar o direito ao
ambiente dos habitantes de Sintla-Castais, direito esse que não podia ser
exercido em tempo útil de outra forma ( por a construção da sede da Fundação
Champamilhão ser eminente), já a autarquia nada poderia fazer. Isto acontece
porque o juiz , colhidos os elementos a que tenha acesso imediato e sem
quaisquer outras formalidades e diligências, decreta provisoriamente a
providência requerida (ou aquela que julgue mais adequada) no prazo de 48 horas
por se entender que a petição permite reconhecer a possibilidade de lesão
iminente e irreversível ao direito ao ambiente dos habitantes de Sintla-Castais
(nº3 do artigo 131º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e por,
consequentemente, a decisão provisória não poder ser impugnada (nº5 do artigo
131º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Consequentemente, quando Manuel Empata não requer o
decretamento provisório da providência,aplica-se o artigo 128º do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos e a autarquia de Castais ainda pode
optar pela resolução fundamentada e opor-se à providência requerida por Manuel
Empata. Contudo, se o decretamento provisório da providência for requerido e o
juiz entender que há possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito,
já a decisão provisória não pode ser impugnada e a autarquia não se poderá opor
à suspensão da eficácia do acto administrativo. A única coisa que a autarquia
poderia fazer era, segundo o nº6 do artigo 131º do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, no prazo de cinco dias depois de ser notificada para
cumprir a providência provisória, se pronunciar sobre o levantamento,
manutenção ou alteração da providência.
E se, em vez da suspensão da eficácia do acto
administrativo, tivesse sido requerida o embargo de obra nova, providência
cautelar especificada que é consagrada no artigo 397º e seguintes do Código de
Processo Civil? Neste caso, a vida da minha cliente estaria muito mais
facilitada, pois, apesar de em abstracto esta providência poder ser requerida
na Justiça Administrativa pela parte inicial do nº2 do artigo 112º do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos, neste caso esta providência não pode
ser aplicada neste caso em concreto. Isto acontece porque, por um lado, o
embargo de obra nova só se aplicaria se os habitantes de Sintla-Castais se
vissem ofendidos no seu direito de propriedade, singular ou comum, com a
construção da sede da Fundação Champamilhão, segundo o nº1 do artigo 397º do
Código de Processo Civil (o que não acontece aqui porque a construção da obra
apenas viola o seu direito ao ambiente). Logo, esta providência
cautelar seria totalmente inadequada para resolver o litígio entre as partes e
deveria ter sido rejeitada pelo juiz logo quando foi proposta.
Guilherme Gomes
140110022
Fontes:
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Março de 2013,
págs.437-498
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