O artigo 95º do CPTA:
(Questão que surge a propósito da noção de causa de pedir)
O nº1 deste artigo pressupõe que tudo aquilo
que as partes alegaram deve ser conhecido pelo juiz.
O artigo procura equacionar um princípio
geral nesta matéria que é o do juiz se ocupar de todas as questões desde que estas
sejam alegadas pelas partes, ou seja, essas são as únicas questões das quais o
juiz se pode ocupar. Temos aqui uma lógica em que o princípio do contraditório
determina o objeto do possesso na medida em que determina os factos levados a
juízo.
A regra é a do princípio do contraditório,
todavia, há realidades que são de conhecimento oficioso, e portanto, mesmo que
não sejam alegadas, o juiz deve conhecer delas, como é o caso da competência,
por exemplo.
E, portanto, temos aqui uma lógica neste nº1
do artigo que estabelece um princípio do contraditório onde por vezes, em
certas situações, é necessário recorrer ao princípio do inquisitório,
relativamente àquelas questões cujo conhecimento oficioso a lei “permita ou
imponha”. Para além de ter ainda o alcance de determinar que o objecto do
processo – tanto no que refere ao pedido como à causa de pedir – é configurado
essencialmente pelas alegações das partes, devendo a causa de pedir ser
determinada em razão das pretensões dos sujeitos.
Importa agora saber se este princípio geral
constante no nº1 do artigo 95º é ou não posto em causa pelo nº2 do mesmo
artigo, uma vez que este parece consagrar uma norma especial para os processos
impugnatórios de actos administrativos (que decorre da expressão consagrada no
nº1 do mesmo artigo: “sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”).
O que de resto é explicável como mais uma
manifestação do “velho trauma” de só atribuir importância à questão da causa de
pedir quando estão em causa actos administrativos, uma vez que a expressão
utilizada “processos impugnatórios” poderia, em abstracto, valer tanto para
actos, como para regulamentos, ou mesmo para contratos administrativos, mas
cujo alcance o legislador parece ter querido limitar expressamente ao domínio dos
actos administrativos (“contra o acto impugnado” como se diz no nº2 do artigo
95º do CPTA).
A norma que estamos a analisar pode
decompor-se em duas partes distintas.
Na primeira parte, estabelece-se que o
“tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido
invocadas contra o acto impugando, excepto quando não possa dispor dos
elementos indispensáveis para o efeito”,
como decorre do nº2 da mesma norma. O objectivo da norma é que o julgador aprecie
a integralidade dos direitos alegados pelo particular, procurando evitar que o
juiz conheça apenas da primeira ilegalidade apreciada, ou que tome apenas
conhecimento parcial das ilegalidades da relação jurídica litigada, a pretexto
do falso argumento de que isso, só por si, bastaria para inquinar a validade da
actuação administrativa.
Este nº2 parece consagrar uma norma especial para
os processos impugnáveis de actos administrativos. A expressão “processos
impugnatórios”, significa que o juiz
deve conhecer de todas as causas que sejam invocadas e não pode conhecer apenas
de uma delas não analisando as restantes.
Ao determinar o dever de conhecimento da
integralidade da relação jurídica trazida a juízo, previne-se o surgimento de
verdadeiros “círculos viciosos” de sucessivas e infrutíferas apreciações
jurisdicionais, gravemente lesiva dos direitos dos particulares e atentória do
bom funcionamento da Justiça administrativa. E consagra-se uma acrescida proteção dos
direitos dos particulares tornando efectivos os meios processuais, ao evitar o
surgimento de casos em que, “tendo o tribunal anulado um acto administrativo por
um determinado vício, a Administração possa vir renovar o acto invocando um
argumento que já tinha invocado da primeira vez e cuja legalidade o interessado
já da primeira vez tinha sido contestado, mas em que o tribunal sobre ele se
tivesse pronunciado” (Professor Mário Aroso de Almeida).
Assim a disposição contida na primeira parte
do artigo não só não constitui qualquer exceção à regra geral contida no nº1 do
mesmo artigo, como nada tem que ver com qualquer alargamento do objecto do
processo para além das pretensões das partes, antes consagra um entendimento da
causa de pedir em “conexão” com os direitos dos particulares.
O Professor Mário Aroso de Almeida interpreta
esta segunda parte do artigo 95º nº2 CPTA, como atribuindo ao tribunal um poder
amplo de determinação de factos que não são alegados pelas partes – obrigaria o
juiz a ir à procura de factos novos e de factos diferentes daqueles alegados
pelas partes.
O professor Vasco Pereira da Silva considera
que o artigo não diz isso, o que o artigo diz é que o juiz deve identificar os
factos e que não deve ir à procura de factos novos, e que está submetido ao
princípio do contraditório, ou seja há aqui uma reafirmação do princípio do
contraditório mas que o juiz deve identificar causas diferentes das suscitadas
pelas partes, o juiz não está limitado pelo que as partes dizem, mas este
alargamento mesmo quando seja exercido pelo juiz obriga a que as partes sejam
ouvidas para se pronunciarem pela qualificação feita pelo juiz.
Da perspectiva do professor uma interpretação
diferente correria o risco de ser inconstitucional porque transformaria o juiz
em parte, porque este iria
à procura de factos novos no processo - O juiz passaria a ser uma parte do processo e ao sê-lo estaria a violar o princípio da separação de poderes consagrado constitucionalmente.
à procura de factos novos no processo - O juiz passaria a ser uma parte do processo e ao sê-lo estaria a violar o princípio da separação de poderes consagrado constitucionalmente.
Isto tudo significa, em primeiro lugar que o
juiz pode qualificar diferentemente os factos alegados pelas partes. “Os
tribunais conhecem o direito e, como tal, pode o juiz anular um acto
administrativo com fundamento num vício ou numa fonte de ilegalidade diferente
dos que o particular alegou, desde que esse vício ou essa fonte de invalidade já
resulte das pretensões dos particulares”.
Em segundo lugar, a norma em apreço introduz
um alargamento dos poderes do juiz, no que respeita ao conhecimento do objeto
do processo, ao desligar a causa de pedir do mecanismo dos vícios do acto administrativo,
possibilitando a apreciação directa dos direitos dos particulares e dos factos
causadores da respectiva lesão.
Não faz sentido que o juiz passe a ser uma
parte processual, e por isso interpretar factos novos pressupõe duas coisas: em
primeiro lugar, que o juiz sabe de direito e que se há um erro na qualificação
feita pelas partes, o juiz pode qualificar de forma diferente aquilo que as
partes trouxeram a juízo. Da perspectiva do professor identificar factos novos
significa que o juiz não deve estar limitado às qualificações e deve procurar o
acesso directo aos factos tal como estes são trazidos em juízo. Em segundo
lugar, o juiz não deve estar limitado pela técnica dos vícios. Assim, este
artigo 95º nº2 vem afastar a prática do juiz português de recorrer à teoria dos
vícios.
Porquê que o professor Mário Aroso de Almeida
constrói essa realidade? Tem a ver com a questão dos direitos subjetivos. O
professor Mário Aroso de Almeida adopta a teoria do direito reactivo – o
particular só adquire o direito no momento em que há uma lesão na sua esfera
jurídica – baseia-se na lógica da responsabilidade civil – ideia de que o
particular tem um conjunto de pretensões subjetivas que só se transformam em
direito subjetivo quando seja lesada a sua esfera jurídica e então aquilo que o
particular pede ao tribunal é uma pretensão negativa. Surgem assim os direitos
subjetivos como direitos reactivos contra os outros.
Esta construção que nasce de uma
interpretação menos correcta da teoria da norma de proteção, introduzindo a
ideia de que o particular tem um direito, mas que o direito só nasce numa fase
litigiosa, e isto permite construir esse direito com base no direito de acesso
ao juiz, o particular ao aceder ao juiz defende um direito que não é meramente
processual mas é também subjetivo. O professor Vasco Pereira da Silva defende que
este direito nasce de forma errónea. E, portanto, esta construção do direito
reactivo confunde a lesão com o direito – o direito decorre da lei e da posição
que o particular tem no quadro da ordem jurídica – só se preocupa com o direito
no momento da lesão.
Há o direito de acesso ao tribunal mas não é
no momento que se vai a tribunal que se adquire o direito, há um direito que
pré-existe à lesão. O que está em causa na lesão é o fenómeno de um direito que
é posto em causa. O que a teoria do direito reactivo faz é confundir o direito
de acesso à justiça com o direito substantivo, e este último é um direito
preexistente.
Nos dias de hoje, e com a lógica dos direitos
de natureza procedimental, esses direitos adquirem também uma natureza
substantiva mas aquele direito de acesso é um direito que serve para a tutela
de outros direitos. Todavia, esta teoria parece-me não fazer muito sentido.
Se o professor Mário Aroso de Almeida diz que
só há direito quando há lesão, o que o particular faz é pedir ao juiz que afaste
a lesão que ele sofreu, e afastar a lesão faz com que o juiz traga factos novos
ao processo. Da perspectiva do professor Vasco Pereira da Silva, o direito
reactivo é um direito instrumental para tutela do direito substantivo, o artigo
95º vem consagrar isto mesmo, ou seja, o juiz pode identificar factos
diferentes dos alegados pelas partes mas não pode acrescentar factos novos,
pode apenas identificá-los.
De acordo com a teoria da causa de pedir isto
permitiria ao juiz ir buscar factos novos porque aquilo que o juiz deveria
fazer era afastar uma lesão que resulta de um acto ilegal, a teoria do direito
reactivo tem a ver com um alargamento do objeto do processo. Todavia isto não
torna essa teoria aceitável e, por sua vez, nem isso é suficiente para
interpretar o artigo 95º nesse sentido.
Trabalho realizado por:
Joana Morais Francisco
(140108007)
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