terça-feira, 22 de outubro de 2013

O artigo 95º do CPTA



O artigo 95º do CPTA:

(Questão que surge a propósito da noção de causa de pedir)

O nº1 deste artigo pressupõe que tudo aquilo que as partes alegaram deve ser conhecido pelo juiz.
O artigo procura equacionar um princípio geral nesta matéria que é o do juiz se ocupar de todas as questões desde que estas sejam alegadas pelas partes, ou seja, essas são as únicas questões das quais o juiz se pode ocupar. Temos aqui uma lógica em que o princípio do contraditório determina o objeto do possesso na medida em que determina os factos levados a juízo.
A regra é a do princípio do contraditório, todavia, há realidades que são de conhecimento oficioso, e portanto, mesmo que não sejam alegadas, o juiz deve conhecer delas, como é o caso da competência, por exemplo.
E, portanto, temos aqui uma lógica neste nº1 do artigo que estabelece um princípio do contraditório onde por vezes, em certas situações, é necessário recorrer ao princípio do inquisitório, relativamente àquelas questões cujo conhecimento oficioso a lei “permita ou imponha”. Para além de ter ainda o alcance de determinar que o objecto do processo – tanto no que refere ao pedido como à causa de pedir – é configurado essencialmente pelas alegações das partes, devendo a causa de pedir ser determinada em razão das pretensões dos sujeitos.

Importa agora saber se este princípio geral constante no nº1 do artigo 95º é ou não posto em causa pelo nº2 do mesmo artigo, uma vez que este parece consagrar uma norma especial para os processos impugnatórios de actos administrativos (que decorre da expressão consagrada no nº1 do mesmo artigo: “sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”).
O que de resto é explicável como mais uma manifestação do “velho trauma” de só atribuir importância à questão da causa de pedir quando estão em causa actos administrativos, uma vez que a expressão utilizada “processos impugnatórios” poderia, em abstracto, valer tanto para actos, como para regulamentos, ou mesmo para contratos administrativos, mas cujo alcance o legislador parece ter querido limitar expressamente ao domínio dos actos administrativos (“contra o acto impugnado” como se diz no nº2 do artigo 95º do CPTA).

A norma que estamos a analisar pode decompor-se em duas partes distintas.
Na primeira parte, estabelece-se que o “tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugando, excepto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para  o efeito”, como decorre do nº2 da mesma norma. O objectivo da norma é que o julgador aprecie a integralidade dos direitos alegados pelo particular, procurando evitar que o juiz conheça apenas da primeira ilegalidade apreciada, ou que tome apenas conhecimento parcial das ilegalidades da relação jurídica litigada, a pretexto do falso argumento de que isso, só por si, bastaria para inquinar a validade da actuação administrativa.
Este nº2 parece consagrar uma norma especial para os processos impugnáveis de actos administrativos. A expressão “processos impugnatórios”, significa que o  juiz deve conhecer de todas as causas que sejam invocadas e não pode conhecer apenas de uma delas não analisando as restantes.
Ao determinar o dever de conhecimento da integralidade da relação jurídica trazida a juízo, previne-se o surgimento de verdadeiros “círculos viciosos” de sucessivas e infrutíferas apreciações jurisdicionais, gravemente lesiva dos direitos dos particulares e atentória do bom funcionamento da Justiça administrativa.  E consagra-se uma acrescida proteção dos direitos dos particulares tornando efectivos os meios processuais, ao evitar o surgimento de casos em que, “tendo o tribunal anulado um acto administrativo por um determinado vício, a Administração possa vir renovar o acto invocando um argumento que já tinha invocado da primeira vez e cuja legalidade o interessado já da primeira vez tinha sido contestado, mas em que o tribunal sobre ele se tivesse pronunciado” (Professor Mário Aroso de Almeida).

Assim a disposição contida na primeira parte do artigo não só não constitui qualquer exceção à regra geral contida no nº1 do mesmo artigo, como nada tem que ver com qualquer alargamento do objecto do processo para além das pretensões das partes, antes consagra um entendimento da causa de pedir em “conexão” com os direitos dos particulares.

O Professor Mário Aroso de Almeida interpreta esta segunda parte do artigo 95º nº2 CPTA, como atribuindo ao tribunal um poder amplo de determinação de factos que não são alegados pelas partes – obrigaria o juiz a ir à procura de factos novos e de factos diferentes daqueles alegados pelas partes.
O professor Vasco Pereira da Silva considera que o artigo não diz isso, o que o artigo diz é que o juiz deve identificar os factos e que não deve ir à procura de factos novos, e que está submetido ao princípio do contraditório, ou seja há aqui uma reafirmação do princípio do contraditório mas que o juiz deve identificar causas diferentes das suscitadas pelas partes, o juiz não está limitado pelo que as partes dizem, mas este alargamento mesmo quando seja exercido pelo juiz obriga a que as partes sejam ouvidas para se pronunciarem pela qualificação feita pelo juiz.
Da perspectiva do professor uma interpretação diferente correria o risco de ser inconstitucional porque transformaria o juiz em parte, porque este iria
à procura de factos novos no processo - O juiz passaria a ser uma parte do processo e ao sê-lo estaria  a violar o princípio da separação de poderes consagrado constitucionalmente.
Isto tudo significa, em primeiro lugar que o juiz pode qualificar diferentemente os factos alegados pelas partes. “Os tribunais conhecem o direito e, como tal, pode o juiz anular um acto administrativo com fundamento num vício ou numa fonte de ilegalidade diferente dos que o particular alegou, desde que esse vício ou essa fonte de invalidade já resulte das pretensões dos particulares”.
Em segundo lugar, a norma em apreço introduz um alargamento dos poderes do juiz, no que respeita ao conhecimento do objeto do processo, ao desligar a causa de pedir do mecanismo dos vícios do acto administrativo, possibilitando a apreciação directa dos direitos dos particulares e dos factos causadores da respectiva lesão.

Não faz sentido que o juiz passe a ser uma parte processual, e por isso interpretar factos novos pressupõe duas coisas: em primeiro lugar, que o juiz sabe de direito e que se há um erro na qualificação feita pelas partes, o juiz pode qualificar de forma diferente aquilo que as partes trouxeram a juízo. Da perspectiva do professor identificar factos novos significa que o juiz não deve estar limitado às qualificações e deve procurar o acesso directo aos factos tal como estes são trazidos em juízo. Em segundo lugar, o juiz não deve estar limitado pela técnica dos vícios. Assim, este artigo 95º nº2 vem afastar a prática do juiz português de recorrer à teoria dos vícios.
Porquê que o professor Mário Aroso de Almeida constrói essa realidade? Tem a ver com a questão dos direitos subjetivos. O professor Mário Aroso de Almeida adopta a teoria do direito reactivo – o particular só adquire o direito no momento em que há uma lesão na sua esfera jurídica – baseia-se na lógica da responsabilidade civil – ideia de que o particular tem um conjunto de pretensões subjetivas que só se transformam em direito subjetivo quando seja lesada a sua esfera jurídica e então aquilo que o particular pede ao tribunal é uma pretensão negativa. Surgem assim os direitos subjetivos como direitos reactivos contra os outros.

Esta construção que nasce de uma interpretação menos correcta da teoria da norma de proteção, introduzindo a ideia de que o particular tem um direito, mas que o direito só nasce numa fase litigiosa, e isto permite construir esse direito com base no direito de acesso ao juiz, o particular ao aceder ao juiz defende um direito que não é meramente processual mas é também subjetivo. O professor Vasco Pereira da Silva defende que este direito nasce de forma errónea. E, portanto, esta construção do direito reactivo confunde a lesão com o direito – o direito decorre da lei e da posição que o particular tem no quadro da ordem jurídica – só se preocupa com o direito no momento da lesão.

Há o direito de acesso ao tribunal mas não é no momento que se vai a tribunal que se adquire o direito, há um direito que pré-existe à lesão. O que está em causa na lesão é o fenómeno de um direito que é posto em causa. O que a teoria do direito reactivo faz é confundir o direito de acesso à justiça com o direito substantivo, e este último é um direito preexistente.
Nos dias de hoje, e com a lógica dos direitos de natureza procedimental, esses direitos adquirem também uma natureza substantiva mas aquele direito de acesso é um direito que serve para a tutela de outros direitos. Todavia, esta teoria parece-me não fazer muito sentido.
Se o professor Mário Aroso de Almeida diz que só há direito quando há lesão, o que o particular faz é pedir ao juiz que afaste a lesão que ele sofreu, e afastar a lesão faz com que o juiz traga factos novos ao processo. Da perspectiva do professor Vasco Pereira da Silva, o direito reactivo é um direito instrumental para tutela do direito substantivo, o artigo 95º vem consagrar isto mesmo, ou seja, o juiz pode identificar factos diferentes dos alegados pelas partes mas não pode acrescentar factos novos, pode apenas identificá-los.
De acordo com a teoria da causa de pedir isto permitiria ao juiz ir buscar factos novos porque aquilo que o juiz deveria fazer era afastar uma lesão que resulta de um acto ilegal, a teoria do direito reactivo tem a ver com um alargamento do objeto do processo. Todavia isto não torna essa teoria aceitável e, por sua vez, nem isso é suficiente para interpretar o artigo 95º nesse sentido. 


                                                                               Trabalho realizado por: 
                                                                              Joana Morais Francisco
                                                                                     (140108007)

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