sábado, 12 de outubro de 2013

Acção Administrativa Comum e Acção Administrativa Especial


Acção Administrativa Comum e Acção Administrativa Especial

 
De forma a superar o seu passado difícil e uma infância marcada por traumas e contradições, o actual modelo constitucional de Contencioso Administrativo consagra, finalmente, um novo sistema, assente numa matriz de dicotomia entre dois meios processuais: a acção administrativa comum e a acção administrativa especial. Embora estejam em causa tramitações processuais distintas, este novo modelo de justiça administrativa consagra uma ideia comum: a garantia dos direitos subjectivos dos particulares e uma tutela efectiva do acesso à justiça administrativa.

 

    A Ação Administrativa Comum

 
A delimitação do âmbito de aplicação da acção administrativa comum relativamente à acção administrativa especial (artigos 37º e 46º do CPA) assenta, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, em dois critérios:

 Um primeiro de natureza processual; e um segundo de natureza substantiva. A aparente delimitação por exclusão de partes, segundo a qual pertenceriam ao âmbito da acção administrativa comum todos os processos especialmente regulados, tem subjacente um critério substantivo, em que a delimitação dos dois meios processuais é feita em razão das formas de actuação administrativa.

Decorre também que à acção administrativa comum sejam aplicadas as regras do “processo de declaração regulado no CPC, nas formas ordinárias, sumária e sumaríssima (artigo 35º, nº1 do CPA), enquanto que a forma de processo da acção administrativa especial se encontram regulada na legislação do Contencioso Administrativo.

Por detrás desta diferenciação de regimes processuais existe, contudo, uma motivação de natureza substantiva e que conduz à distinção de um meio processual “especial”, para actos e regulamentos administrativos, de outro “comum”, para as demais formas de actuação administrativa. Daí resultando, que a acção administrativa especial é o meio processual adequado para o julgamento de contratos, de actuações informais e técnicas ou de operações materiais. Este critério em função das formas de actuação administrativa não impede, contudo o legislador de estabelecer que ainda cabe na acção comum o conhecimento de actos ou de regulamentos administrativos, só que apenas indirectamente, enquanto simples factos jurídicos (artigo 37º, nº2 e 38º do CPA). O que ainda poderia ser justificável, de acordo com o referido critério, considerando que, nesses casos, o que se encontra em juízo não é já, em si mesmo, o poder administrativo exercido mas sim as consequências desse acto, ou desse regulamento, enquanto factos jurídicos relevantes no quadro das relações jurídicas administrativas duradouras ou subsequentes. Verificando-se uma mera apreciação incidental do acto ou do regulamento, que não são afectados na respectiva vigência pela sentença do juiz, que aprecia antes a globalidade da relação jurídica duradoura ou subsequente. Verificando-se uma mera apreciação incidental do acto ou do regulamento, que não são afectados na respectiva vigência pela sentença do juiz, que aprecia ante a globalidade da relação jurídica. Na verdade, o que tal explicação vem tornar mais patente é a artificialidade da distinção dos meios processuais assente na lógica do “poder administrativo”, ou das formas de actuação administrativa, ao mesmo tempo que vem mostrar que o objecto do Contencioso Administrativo não é nunca o “poder” administrativo exercido, mas sim as relações jurídicas administrativas (artigo 38º do CPA).

A acção administrativa comum abrange, por isso e primeiro que tudo, o contencioso das acções em matéria da responsabilidade civil extracontratual e em matéria contratual – tal como determinam as alíneas f) e h) do n.º 2 do art.º 37 do CPTA. É por esta razão que parte das disposições particulares do código, no universo restrito da acção administrativa comum, diz respeito a estes processos.

Entre aquelas disposições, merece ser destacado o art.º 40.º que aumenta consideravelmente a legitimidade para fazer valer a invalidade, seja ela total ou parcial, dos contratos celebrados pela Administração Pública e para levantar questões relativas à execução desses contratos muito para lá das partes na relação contratual.

Além das acções de responsabilidade e sobre contratos, a acção administrativa comum é a forma que corresponde a todo e qualquer processo em que se pretenda a condenação da administração ao cumprimento de deveres de prestar que não envolvam a emissão de um acto administrativo impugnável, nem devam ser alvo de um dos dois processos urgentes de intimação que o código prevê nos seus art.ºs 104 e ss.

A acção administrativa comum acolhe ainda acções não nominadas – às quais se referia anteriormente o art.º 73.º da LPTA – e que podem ser, nomeadamente, intentadas por entidades públicas contra outras entidades públicas ou ainda contra particulares. Aliás, o elenco exemplificativo das pretensões passíveis de encontrar abrigo na acção administrativa comum que se encontra no n.º 2 do art.º 37 do CPTA não pretende mais do que clarificar o sentido da fórmula genérica enunciada no n.º 1, esclarecendo os interessados sobre alguns dos principais tipos de pretensões que, individualmente ou em conjunto, podem tentar concretizar através da acção administrativa comum.

 

De seguida fazemos uma breve abordagem  à problemática do contencioso da responsabilidade civil pública, procurando explicar o seu conceito e modo de funcionamento.

 

Nos dias que correm, as questões relacionadas com o contencioso da responsabilidade civil pública continuam a reter grande importância, uma vez que a responsabilidade civil das entidades públicas constitui um verdadeiro “pilar” do Estado de Direito, encontrando-se inclusivamente consagrada na Constituição da República Portuguesa (artigo. 22º). Do mesmo modo a reforma do contencioso administrativo português, entrada em vigor em 2004, ficou incompleta no que respeita á responsabilidade civil pública.

Na realidade, a reforma de 2004,constitui um marco fundamental na evolução do contencioso administrativo português, visto que anteriormente a esta reforma vigorava em Portugal um sistema de contencioso administrativo completamente ilógico, que se caracterizava por assentar numa distinção entre gestão pública e gestão privada que já há muito tempo que se encontrava ultrapassada.

A reforma do Contencioso Administrativo vem abrir novas perspectivas ao contencioso da responsabilidade civil ao consagrar a unidade jurisdicional. No entanto, a unidade jurisdicional consagrada continuava a reunir um conjunto de “equívocos”, enquanto que, por seu turno a dualidade legislativa se mantinha. 

Ao contrário do que sucedia no passado, no qual se distinguia o contencioso da responsabilidade civil administrativa, actualmente é sempre competente a justiça administrativa para todo o contencioso da responsabilidade civil pública, o que nos leva a qualificar como administrativa, para efeitos processuais, qualquer relação de responsabilidade civil pública.

No  que se refere á delimitação negativa do âmbito da jurisdição, a unificação do contencioso da responsabilidade civil pública parece não ter sido realizada da maneira mais adequada, uma vez que ao levar a unificação até ás últimas consequências, o legislador acabou por admitir certas situações em que se continua a verificar a dualidade de jurisdições.

Atendendo ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, deve-se realçar que este instituiu dois meios processuais principais:

- a acção administrativa comum (presente nos artigos 37º e seguintes)

- a acção administrativa especial (artigos 46º e seguintes)

No que respeita á lógica defendida pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, as questões de responsabilidade civil pública geram pedidos susceptíveis de ser tutelados, em princípio, pela acção administrativa comum.

Por fim, deve-se salientar que a superação dos “traumas” da Justiça Administrativa, mediante a revalorização da acção de responsabilidade civil pública, é um fenómeno comum a muitas das últimas reformas do Contencioso Administrativo de diferentes países europeus, ocorridas nos últimos anos do século XX e nos primeiros anos do século XXI (por ex: França, Itália, Portugal, Reino Unido), levando a um movimento de “europeização” do Contencioso Administrativo.

 

Acção Administrativa Especial

 

A acção administrativa especial - ao contrário do que o seu nome parece sugerir - é o meio principal do Contencioso Administrativo. É um meio processual que tutela de forma eficaz os direitos subjectivos do particulares e das suas relações administrativas, uma vez que tem uma larga margem de aplicação (o Prof. Vasco Pereira de Silva qualifica-a de “acção banda larga”) e permite ao particular ver os seus direitos tutelados através da formulação dos mais variados pedidos e, consequentemente, através de uma ampla variedade de efeitos das sentenças.

Decorre da leitura da decisão proferida no Acórdão Tribunal Central Administrativo Norte em 08 de Abril de 2011 que a acção administrativa especial constitui o meio idóneo - e o meio legalmente imposto pelo art. 46º CPTA - para resolver os litígios em que a Administração manifesta os seus poderes de autoridade (através da prática actos administrativos ou edição normas), sendo a forma processual adequada na qual se apreciam e julgam apenas os litígios que se prendam com impugnação actos administrativos/regulamentos ou normas administrativas, pedidos de condenação à prática de actos devidos e de declaração de ilegalidade por omissão de normas administrativas [arts. 37.º e 46.º do CPTA].

Por sua vez, o artigo 66º CPTA dispõe que “… acção administrativa especial pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado …”, sendo que ainda “… que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória …” .

Da análise das normas mencionadas, podemos retirar a ideia de que o legislador quis estabelecer um critério de distinção entre as duas formas processuais, nomeadamente o de integrar na acção administrativa especial os processos relativos a actos e regulamentos administrativos, enquanto que a acção administrativa comum trataria dos litígios administrativos sem regulação específica.

Para facilitar o entendimento desta questão, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira vêm esclarecer que para “… que se possa afirmar que uma situação jurídica decorre directamente de uma norma administrativa - conceito que vai aqui referido à matéria sobre que versa a norma, abrangendo, por isso, além dos regulamentos, as leis, os actos normativos de direito internacional ou comunitário e as próprias normas da Constituição - parece ser necessário que se verifiquem pelo menos dois requisitos (semi-fundíveis), a saber: - O primeiro (de carácter positivo) é que a situação que se pretende ver reconhecida ou «acertada» se encontre definida na norma em causa, mesmo que de forma genérica, com um mínimo de clareza ou precisão, não carecendo a sua efectivação de qualquer juízo valorativo próprio do exercício da função administrativa; - O segundo (de carácter negativo) é que o reconhecimento da situação em causa não se encontre sujeito a decisão (pronúncia) administrativa prévia. Sabe-se, na verdade, que em muitos casos a lei substantiva faz depender o reconhecimento de situações administrativas de um pedido (requerimento) do interessado dirigido à Administração, a qual, por isso, nesses casos só pode ser accionada judicialmente depois de instada ou «provocada» a pronunciar-se sobre a pretensão em causa (…). Quando suceda assim, o interessado deve aguardar pela decisão administrativa (ou pelo decurso do prazo fixado para a sua emissão) e, em caso de insucesso, de falta de pronúncia ou de recusa de reconhecimento, propor uma acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido, não a acção administrativa comum deste art. 37.º …”. E reportando-se à referida alínea b) referem ainda que se trata “… do «reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições» a obter, como as da alínea a), em acções de simples apreciação, não condenatórias, subsumíveis no quadro da acção comum - salvo quando se trate de qualidades ou condições cujo reconhecimento esteja sujeito à exigência de decisão administrativa prévia, de um acto administrativo, porque aí, para reagir contra esse acto ou contra a sua omissão, há lugar à acção administrativa especial…”

Sucintamente, daqui podemos retirar que fazem parte do âmbito das acções especiais:

- O recurso de anulação entendido em termos amplos;

- A acção para reconhecer direitos.

- O contencioso dos regulamentos, também ele entendido em termos amplos.

Sendo que estas por sua vez comportam a pedidos como:

- Impugnação de actos administrativos;

- Condenação à prática do acto devido;

- Acções relativas a normas.

É quase redutor indicar os pedidos referentes deste tipo de acção, ou até mesmo referir alguns exemplos da sua amplitude. A verdade é que este tipo de acções abrange uma série de pedidos que, ainda que sejam enquadrados nos acima indicados, devido aos termos em que foram estes ampliados após a reforma do contencioso, abarcam variadas hipóteses a ser reconduzidas para as acções administrativas especiais em questão de justiça administrativa. Nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, “cada meio processual é uma espécie de acção-quadro (…) na qual cabem as mais distintas “sub-secções”, qualificadas em razão do respectivo pedido e que podem dar origem a qualquer das modalidades das sentenças. Tão ou mais importante do que a enumeração dos meios processuais (…) são os pedidos susceptíveis de ser formulados, ou quais os efeitos das sentenças correspondentes a tais pedidos”.

               

                Conhecendo ambos os tipo de acções administrativas, é agora importante perceber a dicotomia acção comum/acção especial.

                Temos no art. 268º/4 o direito fundamental que consideramos ser a “pedra angular” do Processo Administrativo – é não só um direito fundamental dos particulares como um princípio fundamental de organização do Contencioso Administrativo, cuja última redacção (decorrente da revisão constitucional de 1997) definiu que hoje são os diferentes meios processuais que se centram no princípio da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares (e não o contrário!).

                Hoje temos um sistema que prima por uma protecção plena e efectiva, garantida através de sentenças das quais podem decorrer variados efeitos, tais como a simples apreciação, o reconhecimento de direitos à condenação, a impugnação de actos administrativos e imposição de medidas cautelares. Os tribunais administrativos são tribunais verdadeiros e próprios, cujas sentenças não possuem qualquer limitação natural; no entanto, não podemos esquecer que para assegurar o direito fundamental de acesso à justiça administrativa é necessário um Processo Administrativo que atribua um meio de defesa adequado a cada direito do particular.

                A reforma do Contencioso Administrativo português foi feita nas linhas do modelo latino, que se caracteriza pela unificação de todos os meios processuais, independentemente dos pedidos ou efeios das sentenças; no entanto, optou o legislador por consagrar uma dicotomia, quanto aos meios processuais, entre acção comum e acção especial, sendo que dentro de cada um cabem diversas sub-acções (dependendo do respectivo pedido) e se podem verificar tantos géneros de efeitos das sentenças quanto pedidos  possivelmente formulados.

                Vemos consagrado, no artigo 2º do Código do Procedimento Administrativo, o princípio da tutela judicial efectiva, que estabele o direito de obter uma decisão judicial favorável atempadamente. Já o artigo 7º do mesmo código explica o conteúdo do princípio, estatuindo que este implica o direito a uma justiça material que não se limita a uma mera apreciação formal do litígio.

                Assim sendo, percebemos que há que determinar qual o pedido susceptível de ser avaliado de modo a determinar os poderes de pronúncia do juíz. É o nº 2 do artigo 2º do Código do Procedimento Administrativo que enumera, exemplificativamente, os poderes de pronúncia judicial que integram o princípio da tutela efectiva; no entanto, esta categorização não corresponde à dos meios processuais consagrados na reforma referida. Ou seja, hoje temos tribunais administrativos com poderes de pronúncia que já não se distinguem, em termos de amplitude, dos de qualquer outro tribunal.

                Importa agora, então, perceber  qual é o critério de distinção entre a acção administrativa comum e a especial. Comparando os artigos 37º e 46º do Código do Processo Administrativo, parece-nos que o legislador da reforma decidiu considerar que pertencem à acção administrativa comum todos os litígios administrativos não especialmente regulados, sedo que os processos relativos a actos e a regulamentos administrativos vão integrar a acção administrativa especial. No entanto, não podemos deixar de considerar esta denominação de acção administrativa especial infeliz: tomando como exemplo o regime da cumulação de pedidos, consagrado nos artigos 4º e 5º do Código do Processo Administrativo, verificamos que nele se determina que sempre que os pedidos cumulados correspondam a diferentes formas de processo deve adoptar-se a forma de acção administrativa especial. Ou seja, daqui retiramos que a chamada acção administrativa especial vai, na prática, ser comum no sentido de ser aquele mais característica e frequentemente utilizada. Mais até: não é apenas a escolha de nomes inadequada, mas parece-nos até ter havido um “lapso”.

 
                Não podemos ainda esquecer-nos de referir que o rpoblema dos poderes de pronúncia judicial pode ainda ser apreciado de outra perspectiva, de modo a perceber-mos se o Contencioso Administrativo se ocupa apenas de questões de legalidade ou se também as mérito. Dá-nos a resposta o artigo 3º, que estatui alterações de grande importância em relação à natureza dos poderes do juíz administrativo, e que vem afastar a ideia de que o processo Administrativo corresponde a um mero controlo de legalidade, mesmo continuando o controlo da actuação administrativa a estar relacionado com a verificação do cumprimento do direito sem que o tribunal intervenha na esfera de actuação reservada à Administração; passando assim de um contencioso de mera anulação para um de plena jurisdição.
 
 
 
 
Trabalho Realizado por:
João Castelo Branco Cunha
José Pedro Soares
Margarida Sobral
Susana Farinhas
 
 

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