terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Algumas notas sobre Contencioso pré-contratual

O contrato administrativo encerra uma forma de colaboração entre a Administração e os particulares por via bilateral, nos casos em que a Administração faz uso do mecanismo da contratação e contenha actos de gestão pública que ficam submissos ao direito administrativo, ou seja, “funções materialmente administrativas”. O art.º 179.º do CPA encerra uma norma e habilitação em matéria de celebração de contratos administrativos, reproduzindo o art.º 9º/1 do ETAF – podemos definir o contrato administrativo como o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada, extinta uma relação administrativa. Sendo uma relação administrativa aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições justificadas pelo interesse público levada a cabo pela Administração perante particulares ou impõe deveres a estes perante ela. O Direito Europeu é imprescindível na avaliação da contratação pública, começando a sua disciplina a desenvolver-se em 57 com o Tratado de Roma – pesando embora, o facto de não ter nenhuma manifestação directa do que concerne à contratação pública introduz alguns princípios que vêm nortear as primeiras directivas nos anos 60, que vão sendo sucessivamente reformados em ciclos de cerca de dez anos, acompanhando a integração europeia e as vicissitudes da época. Os anos 60 são caracterizados por uma intervenção minimalista, com regimes europeus para apenas alguns contratos públicos e apenas algumas entidades – inicialmente estes contratos eram as empreitadas, a aquisição de bens e só mais tarde a prestação de serviços; e as entidades eram o Estado e a Administração Pública Clássica (pessoas colectivas de direito público, em oposição com os sectores excluídos das águas, transportes, energia e telecomunicações. As regras destes regimes acentuavam essencialmente sobre os procedimentos pré-contratuais, impondo a realização de concursos com inúmeras excepções e exclusões. Existe essencialmente a consagração de princípios baseados na regulação do bem-estar entre operadores económicos, garantindo a concorrência e a igualdade, estipulando-se as liberdades essenciais do projecto europeu. Ao longo do tempo dá-se um alargamento subjectivo na aplicação destas directivas, passando a ser aplicadas as entidades privadas que actuem em colaboração com a administração, isto essencialmente nos anos 80. Existe um alargamento dos regimes dos contratos que passam a ficar submetidos ao direito europeu, surgindo novos contratos. Nomeadamente sectores especiais com regimes próprios menos exigentes, mas sujeitos a directivas europeias. Podemos destacar o caso específico da Directiva recursos de 89 que vem prever tanto procedimentos como antes acontecia, mas, também, impor que haja meios de impugnação e de recurso das decisões que sejam contrárias ao direito europeu (tem uma revisão com versão de 2007). Em 2004, são inseridas as concessões de obras públicas, sem que tenham a mesma consagração as concessões de prestação de serviços. Em 2009, consagra-se um regime especial em matéria de compras em matéria militar.
Hoje o direito nacional e europeu consagra os Princípios da livre circulações de mercadorias, liberdade de estabelecimento, livre prestação de serviços, igualdade, não discriminação, reconhecimento mutuo, proporcionalidade, transparência e concorrência – diz-nos JOÃO CAUPERS. A enunciação dos princípios do art.º 1º/4 do CCP parece entender-se como não necessária por via da sua contemplação no CPA (art.º 3º a 12º); Chegando ESTEVES DE OLIVEIRA a formar opinião no sentido de estes serem mesmo desnecessários pela sua pré consagração em sede constitucional. -> não podendo negar que se deve aplicar os restantes princípios do CPA não enunciados no CCP. M. REBELO DE SOUSA diz que outros princípios têm de ser aplicados: tutela da confiança, força vinculativa contratual e objectividade e JORGE ANDRADE E SILVA parte de uma aplicação em esquema tripartido: princípios relativos à actuação administrativa; princípios do procedimento administrativo (aplicam-se a quaisquer procedimentos adjudicatórios); e princípios especiais dos procedimentos pré-contratuais (que se aplicam aos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos). Primordial é o Princípio da Concorrência (art.º 10 RJRDPCP) – obrigando, em principio, a que seja adoptado um procedimento de adjudicação de contrato publico, decorrendo do principio da liberdade economia, do livre acesso à contratação e à igualdade de tratamento na mesma. Tem como corolários a exigência de comparabilidade de propostas e candidaturas; o princípio da intangibilidade/imutabilidade das propostas (art.º 69) ; a estabilidade do concurso; e a estabilidade subjectiva dos concorrentes. Preceitua-se hoje ainda uma diferença entre contrato público e contrato administrativo, os marchés publics: contrato público – art.º 1º/2 CCP reduzidos aos contratos de prestação de serviços, , fornecimento, empreitada de obra publica, concessão de serviços e concessão de obra publica – operando uma “dualidade conceptual ezquizófrénica” para VASCO PEREIRA DA SILVA. Interessa referir a boa doutrina de MARIA JOÃO ESTORNINHO que apontava quanto aos contratos administrativos várias fases de um requiem: candura, atrito e convivência civilizada- propugnando um sentido convergente entre contrato administrativo e contrato de direito privado da administração: complexo exorbitante dos tradicionais contratos administrativos, a publicização da actividade de direito privado da administração. Não se pode considra hoje que as prerrogativas exorbitantes da administração não se apliquem aos contratos de direito privado da mesma, poder de interpe das cláusulas, fiscalização, direcção unilateral, rescisao unilateral. Esta concepção afasta-se daquilo que era a doutrina tradicional portuguesa que se preocupava com a origem orgânica das partes contratantes, a sua natureza enquanto entidade pública, para agora, com base no direito europeu, passar a interessar-se pelo facto jurídico contratual que é formado por uma entidade adjudicante: na doutrina portuguesa seriam uma categoria contratual geral celebrada pelo estado, em que os contratos administrativos seriam uma sua espécie sujeita ao direito administrativo, a par de outras realidades não administrativas como os contratos constitucionais, os tratados e convenções internacionais, contratos fiscais, financeiros (FREITAS DO AMARAL) – levando MARIA JOÃO ESTORNINHO a dizer que a concepção derivada da doutrina francesa de contrato público morreu (derivando na inexistência hoje da concepção de contrato administrativo enquanto aqueles celebrados entre a administração e os particulares ou pessoas colectivas, com base em poderes de autoridade, como colaboração subordinada no dizer de MARCELLO CAETANO. Doutrina mais tarde recusada por FREITAS DO AMARAL, SÉRVULO CORREIA, ESTEVE DE OLIVEIRA E GUILHERME DA FONSECA, apontando alguns que a lei não era taxativa, não sendo a enumeração do antigo 815/2 um carácter taxativo nem naquilo que concernia ao efeito contencioso; o que não impedia, mesmo que taxativamente em matéria de contencioso, que existissem outros contratos substancialmente administrativos Questão definitivamente resolvida com a entrada em vigor do ETAF e do CPA, sendo hoje uma delimitação teleológica e não orgânica na senda da prossecução e interesses públicos e submissão ao direito administrativo). No caso dos contratos administrativos que podiam ser objecto de direito privado e não são por opção das partes existe uma divergência doutrinaria em que JOÃO CAUPERS diz que passa a ser contrato administrativo aquilo que os contraentes assim quiserem e MARCELO REBELO DE SOUSA que diz que esta escolha só é possível quando a administração dispuser de um poder discricionário que lhe permita a escolha entre a “prossecução de interesses públicos por contrato administrativo ou direito privado” (contratos públicos...). Questão interessante é a que pergunta se podem existir contratos administrativos entre duas pessoas de direito privado. A doutrina francesa e alemã tem seguido nesse sentido, com base num conceito amplo que comporte qualquer modificação, criação ou extensão d uma relação jurídica de direito administrativo. Para FREITAS DO AMARAL a relação administrativa é definida com base em poderes de autoridade ou restrições de interesse publico à administração, atribuindo deveres e impõe direitos aos particulares; consagrando uma excepção aquilo que é o regime regra do direito privado do art. 406/1 CC → aquilo que era o regime do art.º 180 CPA. Quanto à validade dos contratos a L. 134/98 de 15 de Maio, vem consagrar o recurso de contencioso através de um novo meio processual acessório que se reconduz às medidas provisórias contra actos administrativos relativos à formação de contratos da AP, que não eram necessariamente administrativos, que tivessem por objecto fornecimentos ocasionais de bens e contratos de prestação de serviços que não visassem fins de imediata utilidade publica, o que Sérvulo Correia na sua doutrina já defendia pela sua tipificação enquanto administrativos, passan definitivemente a estar subjugado aos tribunais administrativos, contrariamente à exepção presente em sede do ETAF (artº 9º). Com a Reforma 2002 da Justiça Administrativa tem-se como ausente a expressão de contrato administrativo e alguns autores propuseram mesmo a adopção do termo contratos públicos, por exemplo, M. JOÃO ESTORNINHO, AFONSO DE OLIVEIRA MARTINS E CARLOS CADILHA. O CCP opera a transposição das directivas 2004/17/CE e 2004/18/CE – fundamentalmente referentes a procedimentos pré-contratuais; JOÃO CAUPERS diz “bem se pode dizer que o código teve dois legisladores, um comunitário outro nacional”; concentra direito objectivo e adjectiva, mantendo em vigor diversa legislação avulsa.
Historicamente, resultam duas imposições das directivas relativas ao processo dos actos praticados no decurso do procedimento que visam a celebração de contratos (só alguns – art. 100º/1)
Qualquer acto pré-contratual pode ser impugnado neste processo não sendo necessário que tenha a natureza jurídica de acto administrativo. É ainda passível de impugnação a adjudicação do contrato mas como tal é um acto administrativo o CPTA nem o referiu.
Existe um desvio estes actos do âmbito da acção administrativa especial – os actos impugnados neste processo urgente não pode ser impugnado na acção administrativa especial. Tal como os actos relativos a contencioso eleitoral, os actos de contencioso pré contratual são inimpugnáveis na acção administrativa especial.
Este processo também não é um processo estritamente impugnatória, sendo que os tribunais administrativos já tem reconhecido a possibilidade de extensão deste processo aos actos de condenação à pratica de acto devido.
Note-se que nos termos do art. 100º/3, basta que o litigio esteja incluído no âmbito da jurisdição administrativa para ter também de se aplicar este contencioso pre contratual urgente mesmo que uma das partes seja particular (ao contrario do que sucede no contencioso eleitoral que só se aplica a entidades públicas).
Quanto aos pressupostos do contencioso pré-contratual aplicam-se as regras gerais previstas para a acção administrativa especial pois existe uma remissão para o regime da impugnação de actos administrativos, donde surge o problema nos casos em que se efectue um pedido de condenação à pratica de um acto devido.
Nos termos do art.101º a impugnação intentada no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou não havendo lugar a notificação na data do conhecimento do acto permite afastar a regra geral que estabelece 3 meses nos termos do 58º/2.
Outra questão que se coloca é a de saber se o art. 58º/2 CPTA apesar de se referir que não há prazo para os actos nulos se também se aplica aos anuláveis. As opiniões na doutrina dividem-se: MÁRIO AROSO DE ALMEIDA segue a orientação do STA e entende que tanto se aplica aos actos nulos como anuláveis.
Como ANDRÉ SALGADO DE MATOS defende um acto nulo não deve estar sujeito a um prazo de impugnação uma vez que estes não produzem quaisquer efeitos jurídicos. Estando o acto ferido de nulidade este não se pode estabilizar na ordem jurídica. Conclui assim que este prazo é apenas para os actos administrativos que tenham um prazo de impugnação geral.

Quanto à Tramitação do Contencioso Pré-Contratual apresenta particularidades relativamente a acção administrativa especial, nomeadamente no que diz respeito às alegações que se assemelham à do contencioso eleitoral, existe uma redução de prazos (20 dias), por outro lado o artigo 63.º permite ampliar o objecto do processo e verificando-se a impossibilidade de dar pretensão ao pedido do autor, o tribunal pode julgar improcedente o pedido em causa (não procede a sentença requerida, mas convida as partes a acordar o montante da indemnização. Além da impossibilidade absoluta o art. 45º prevê ainda a situação de tal gerar um grave prejuízo para o interesse publico este não existe no art. 102º/5 porque a estabilidade do interesse publico pressupõe o decurso do tempo, e este processo é urgente.
De acordo com o 103.º o processo termina com audiência.


- Curso de direito dos contratos públicos : por uma contratação pública sustentável / Maria João Estorninho. - Coimbra : Almedina, 2012. -O poder de modificação unilateral do contrato administrativo, quando exercido pela administração : e as garantias contenciosas do seu co-contratante perante este exercício / Lourenço B. Manoel de Vilhena de Freitas. - Lisboa : AAFDL, 2007. - Dissertação de mestrado em Ciências Jurídico-Políticas apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em 2002 - Contratos sobre o exercício de poderes públicos : o exercício contratualizado do poder administrativo de decisão unilateral / Mark Bobela-Mota Kirkby. - Coimbra : Coimbra Editora, 2011. - A formação dos contratos públicos : uma concorrência ajustada ao interesse público. - Lisboa : AAFDL, 2013. - Tese de doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas, apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2012. -O contencioso administrativo no divã da psicanálise : ensaio sobre as acções no novo processo administrativo / Vasco Pereira da Silva. - 2ª ed.. - Coimbra : Almedina, 2009.

Manuel Saraiva n.º 149113703
Ricardo Ferreira n.º 140110120


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