Numa altura em que a reforma do
código de processo civil está na ordem do dia,chama-me à atenção um instituto
em particular: a inversão do contencioso. Este destaca-se por inaugurar um novo
paradigma em termos processuais, correspondendo a necessidades há muito
sentidas de evitar as repetições de acções provocadas pelo carácter
instrumental e provisório das providências cautelares.
O paradigma seguido até agora
pelo procedimento cautelar – de instrumentalidade pura sob pena de caducidade -
não se compactua com a realidade dos nossos dias, norteada por princípios de
economia e celeridade processual. Aliás, muitas das vezes as acções principais
nada vinham acrescentar às providências interpostas, não passando de uma
repetição, de um mero formalismo processual sem qualquer utilidade prática.
A inversão do contencioso veio
fazer face a estes problemas e permite, em
determinadas situações, que a decisão cautelar se possa consolidar como
definitiva composição do litígio, se o requerido não demonstrar, em acção por
ele proposta e impulsionada, que a decisão cautelar não devia ter, afinal, essa
vocação de definitividade.
Esta foi a solução consagrada no
Código de Processo Civil, mas não só este problema não é exclusivo desta àrea
do Direito, como a procura de soluções para os problemas suscitados e a
necessidade de mudança não são uma novidades desta Reforma.
Por conseguinte, esta necessidade
de mudança já tinha sido sentida no âmbito do Contencioso Administrativo.
Enquanto num plano cautelar o CPTA procurava acompanhar o Processo Civil,
alargando o leque de medidas cautelares; por seu turno, o Contencioso
Administrativo esteve na vanguarda da reforma,introduzindo o art 121 nº1, como
forma de dar resposta à necessidade de antecipar o juízo sobre a causa e de dar
cumprimento, na esteira do direito europeu, ao direito fundamental a uma tutela
jurisdicional efectiva (arts. 20 nº4 e 5, 268 nº4 e 5 ambos da Constituição da
República Portuguesa)
Hoje, ao olhar ao instituto de
inversão do contencioso podemos verificar que a lógica seguida foi semelhante à
da reforma de 2002 do CPTA, muito embora a orientação seguida seja
substancialmente diferente. Mais, que o art 121 do CPC foi tido em consideração
aquando da discussão da melhor solução a ser adoptada no âmbito do CPC –
seguindo-se, no entanto, um modelo ligeiramente diferente.
Uma vez percebida a lógica e as
necessidades que deram origem a ambos os institutos, não obstante as diferenças
de regime, teremos que perceber como funciona
e quais as realidades abrangidas no âmbito deste mecanismo do art 121.
Análise ao art 121 CPTA
Se foi no plano cautelar que
mais se fez sentir a intervenção do legislador, nem por isso este se limitou à
criação e aprofundamento dos meios de tutela cautelar de carácter provisório e
urgente, actuando no sentido de criar processos urgentes autónomos que
contribuam para uma justiça célere e definitiva.
Numa primeira análise, estes
processos urgentes estão previstos na lei (ART 36 CPTA) de forma taxativa, sendo eles: o
contencioso eleitoral, o contencioso pré-contratual, a intimação para prestação de informações,
consulta de documentos ou passagem de certidões, intimação para a defesa de direitos,
liberdades e garantias e as providências cautelares.
Contudo, e esta veio a ser a
grande inovação, criou uma válvula de escape para que situações dotadas de
pontual urgência pudessem ser tratadas com o mesmo carácter de urgência e se
alcançasse, com a mesma efectividade, o direito a uma justiça célere.
Desta forma o legislador, ao
consagrar a possibilidade de antecipação do juízo de mérito, consegue uma
solução equilibrada para situações atípicas e inominadas, garantindo que
situações não enquadráveis num dos pedidos de tutela urgente possam, ainda
assim, receber tratamento especial e urgente, conforme as circunstâncias do
caso.
Como se percebe, pelo que
venho expondo, essa válvula de escape consta do art 121 do CPTA, reiterada no
art 132 nº7 do mesmo diploma, e prevê
possibilidade de, em situações de manifesta urgência, o juiz decidir a
questão de mérito no seio de um processo cautelar, desde que verificados
determinados pressupostos substantivos e processuais.
Vejamos então que requisitos
são estes que podem determinar a antecipação do juízo principal e que, como
tal, convolam a tutela cautelar em urgente e definitiva:
1. Manifesta
Urgência de Resolução Definitiva do Caso
2. Contarem
do caso todos os elementos necessários
3. Audição
das partes
Como se percebe estamos
perante um requisito de carácter substantivo e dois de carácter processual,
devendo ser preenchidos de forma cumulativa.
Quanto ao primeiro dos
requisitos enumerados, importa dizer que é aferido tendo em conta a natureza
das questões bem como a importância dos interesses envolvidos, devendo
chegar-se à conclusão de que a situação em causa não se compadece com a adopção
de uma simples providência cautelar. Tem-se, para tal, especialmente em conta o
factor tempo e a irreversibilidade dos efeitos da tutela, bem como a inadequação
da tutela cautelar, paradigmaticamente nas providências antecipatórias.
Este requisito deve ser encarado
com a devida cautela, só excepcionalmente se fazendo uma antecipação da decisão
da causa principal.
O professor Mário Aroso de
Almeida dá um exemplo concreto em que a manifesta urgência se pode
verificar:caso em que falta um pressuposto para a aplicação da providência
cautelar, como por exemplo a proporcionalidade, mas estando verificadas as
alineas b) e c) do art. 120.
Olhando agora ao segundo
requisito, o Tribunal deve estar em condições de analisar e decidir a questão
de fundo , por constarem no processo todos os elementos necessários à decisão.
Apesar de ser dificil, na prática, saber se este
requisito está preenchido, este visa que as partes tragam a processo todos os
elementos necessários e relevantes para a decisão da questão de mérito.
No que ao terceiro, e último,
requisito respeita é de referir que o legislador determina que as partes sejam
ouvidas pelo Tribunal, no prazo de dez dias. Esta exigência prende-se com a
necessidade de o Juíz ouvir as objecções que as partes formulem relativamente ao
preenchimento dos dois requisitos anteriores, enfim, pela necessidade de dar
conteúdo ao princípio do contraditório.
Preenchidos cumulativamente os
requisitos supra referidos, importa perceber a quem pertence a iniciativa de
antecipação do juízo do mérito da causa. Esta pode caber oficiosamente ao juíz
ou a iniciativa das partes. Ora, esta não consta claramente na lei, no entanto,
pela natureza do instituto, e por nada obstar a tal situação, tem-se
considerado que esta é a melhor solução, sendo como tal praticada nos Tribunais
Portugueses.
As partes podem, segundo a letra do art 121 nº2, impugnar a decisão de
antecipação do juízo. Como tal, de cada vez que haja a antecipação do juizo, a
parte vencida poderá recorrer. Fica por analisar quais os efeitos jurídicos a
atribuir a esta impuganção, isto é se
tem efeitos suspensivos ou meramente devolutivos.
Enfim, vimos que o mecanismo
do art. 121 vem trazer determinadas vantagens, nomeadamente ao nível da
celeridade, da economia processual e da justiça efectiva, mas vimos também, e
volto a reforçar, que o mesmo deve ser utilizado com algum cuidado.
Para além de obedecer a
requisitos apertados, há que ter especial prudência porque, no fundo, e como
atenta o Professor Vieira de Andrade, estamos a permitir a emanação de uma
decisão final e definitivo, quando o
conhecimento do juíz é meramente sumário.
Referências Bibliográficas :
Marlene Sennewald, o instituto da
convolação da tutela cautelar em tutela final urgente consagrado no art 121
CPTA in Revista de Direito Público e Regulação – CEDIPRE
Artigo disponibilizado pela
professor Rita Lynce, nas suas lições de processo civil
Trabalho realizado por Inês Graça nº140110032
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