PARECER
Meritíssimos Senhores Juízes de Direito do
Tribunal Administrativo e Fiscal do Círculo
de Lisboa,
“Amor de Animal”, Organização Não Governamental
de Ambiente (ONGA), com sede na Rua Dr. Tomás-Ramón Fernández, nº 73, 1089 –
022, Restelo,
vem, a pedido do Tribunal proferir parecer relativamente
ao Regulamento do Animal Doméstico emitido pelo Ministério da Agricultura e do
Mar, no dia 31 de Outubro de 2013, e suscitada a sua impugnação no decorrer do
Processo nº 9241/13.1YXLSP.
Com efeito,
I) Situação
de facto
No passado dia 5 de Dezembro de
2013, foi suscitada, no decorrer da audiência final do Processo supra referido,
pelo Demandante a questão relativa à legalidade do Regulamento do Animal
Doméstico e pedida a sua impugnação. Neste contexto o Tribunal solicitou a
intervenção da AMOR ANIMAL acerca das considerações que, enquanto Organização
Não Governamental de Ambiente, com conhecimentos técnicos e um vasto conhecimento
jurídico da matéria em apreço, a emitir parecer sobre o mesmo.
É como associação independente,
apartidária, de âmbito nacional, sem fins lucrativos e constituída por cidadãos
com interesses comuns quanto à Preservação, Conservação e Protecção da Natureza
e da Defesa dos Animais, propugnando numa perspectiva de desenvolvimento sustentado,
que aqui se intervém.
O Regulamento em causa levanta
questões fulcrais como as directamente ligadas aos mais fundamentais direitos
com protecção na Constituição. Levantando questões que suscitamos, no dia 15 de
Novembro de 2013, aquando do pedido ao Ministério Público para que reagisse contenciosamente
contra este.
Delimitação do Problema
O Regulamento em análise suscita
questões essenciais de cariz administrativo. Cabe aqui transpor, aplicando ao
caso concreto, as dúvidas existenciais essenciais – quem sou, de onde venho,
para onde vou.
Queremos resolver as estas
questões de um ponto de vista multidisciplinar, integrador – tentando responder
à questão que aqui se põe numa resposta casuística ao concurso entre a
liberdade e a igualdade.
Estamos perante uma situação de
matriz administrativa – um regulamento, fonte deste ramo de direito, emitido
por um ministério, corpo típico da organização administrativa – podendo reduzir
a situação que referimos a uma forma administrativa tentando responder à
questão: Qual é a função do Direito Administrativo?
As respostas não são unânimes,
mas podem de forma superficial ser reduzidas a duas, a primeira, vê o Direito
Administrativo como a forma de conferir poderes de autenticidade à Administração
Pública, de modo a que ela possa fazer sobrepor o interesse colectivo aos
interesses privados, as chamadas green
light theories, e, a segunda, aponta como função do Direito Administrativo
o reconhecimento de direitos e o estabelecimento de garantias em favor dos
cidadãos quanto ao exercício arbitrário do poder, as chamadas red light theories.
Acompanhamos FREITAS DO AMARAL que
sugere uma função mista que conjuga uma legitimação de intervenção administrativa
e uma protecção da esfera essencial dos particulares – permitindo,
simultaneamente, a garantia dos interesses colectivos e dos interesses individuais
– procurando o bem-estar geral.
(1) Podemos analisar a questão da funcionalidade
numa conjugação de perspectivas de relação com a Política, a Legislação e a
Justiça.
Ou seja, na sua
relação com a definição, de forma livre e primária, com a existência, que serve de limite, fundamento e
critério, e na prossecução secundária
mas não especifica, dadas respectivamente pela política, pela legislação e pela Justiça.
Cabe, assim, à administração a satisfação
regular e contínua das necessidades colectivas da segurança, cultura e
bem-estar económico e social.
(2) Pela sua mera existência jurídica e pela
sua interacção com as componentes que acabámos de referir temos de concluir que
a Administração está subordinada ao Direito, efeito do Princípio do Estado de Direito
Democrático - corolário do princípio da separação de poderes e da participação
democrática.
A existência do Direito Administrativo prende-se
na necessidade de permitir à Administração que prossiga o interesse público, o
qual deve ter primazia sobre os interesses privados quando não estejam em causa
direitos fundamentais dos particulares. Implicando a dualidade de atribuição de
poderes de autoridade e de especiais deveres da Administração para com os particulares.
(3) Ora, este Regulamento resulta da actuação
do chamado Poder de Administração exteriorizado por um instrumento típico de
manifestação da vontade da Administração, como é o regulamento.
Consubstanciando aquilo a que podemos chamar de Poder Regulamentar ou de
Faculdade Regulamentar gozando genericamente do direito de definir em que
sentido vai aplicar a lei: em respeito da lei, mas sem deixar de ter a
faculdade prévia de decidir como interpretar a lei. Este poder não pode ser
absoluto para que o desígnio da Administração, tal como o apresentámos, possa
ser alcançado, estando subordinado a alguns princípios jurídicos que moldam a
sua actuação, a saber:
(4) O Princípio da Prossecução do Interesse
Público, segundo o regime do art.º 266º/1 da CRP e do art. 5º do CPA.
Interesse público é o interesse geral de uma
determinada comunidade, é o bem-comum, aquilo que é geral, mas não se reduz a
uma perspectiva meramente utilitária: inclui uma concretização das necessidades
colectivas, neste caso, na concretização de interesses públicos secundários,
aqueles cuja definição é feita pelo legislador, mas cuja satisfação cabe à Administração
Pública no desempenho da função administrativa.
Este princípio tem numerosas consequências
práticas, das quais importa citar as mais importantes:
1) Os interesses públicos são definidos
por lei;
2) Em todos os casos em que a lei
não define de forma complexa e exaustiva o interesse público, compete à
Administração interpretá-lo, dentro dos limites em que o tenha definido;
3) A noção de interesse público é
uma noção de conteúdo variável. Não é possível definir o interesse público de
uma forma rígida e inflexível;
4) Definido o interesse público pela
lei, a sua prossecução pela Administração é obrigatória;
5) O interesse público delimita a
capacidade jurídica das pessoas colectivas públicas e a competência dos
respectivos órgãos, aplicando o princípio da especialidade;
6) Só o interesse público
definido por lei pode constituir motivo principalmente determinado de qualquer
acto administrativo, sob pena de consubstanciar um desvio de poder;
7) Impõe um dever de boa
administração.
(5) O Princípio da Legalidade
É um princípio geral do direito
directamente aplicável à Administração Pública, que está positivamente
consagrado no art.º 266º/2 da CRP e no art.º 124º/1-d do CPA – obrigando os
órgãos e agentes da Administração Pública a agir no exercício das suas funções,
com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos – é o limite e o
fundamento, à maneira de KELSEN, da actividade administrativa, levando à
subsunção do princípio da competência.
(6) O Princípio da Igualdade
Estipulado nos art.º 13º e 266º/2
da CRP, reflecte a obrigação da Administração Pública a tratar igualmente os
cidadãos que se encontram em situação objectivamente idêntica e desigualmente
aqueles cuja situação for objectivamente diversa, sob clara herança da
filosofia de SANTO AGOSTINHO (Vd. art.º 124º/1-d do CPA)
(7) O Princípio da Boa fé
É a consequência da consagração
jurídica das ideias de solidariedade, está previsto no art.º 6º-A do CPA,
podendo dizer que a sua aplicação seria sempre possível e proveitosa sem esta
referência legal, aproveita à consagração de dois limites negativos: confiança
e expectativas dos particulares, e da proibição do abuso de direito.
(8) O Princípio do Respeito Pelos Direitos e
Interesses Legítimos dos Particulares
Previsto no art.º 266º/1 da CRP, este princípio
constitucional, tem um carácter essencial para o debate que tentamos resolver.
Sendo o interesse público, normalmente concretizado no interesse geral, está,
contudo, limitado pela necessidade de respeitar direitos dos particulares,
funciona como barreira e como limite, tomando consciência que o princípio da
legalidade, enquanto foro geral de respeito pelo Direito, não chega mesmo
quando escrupulosamente cumprindo para que se protejam de forma absoluta os direitos
subjectivos e dos direitos legítimos dos particulares.
(9) A Justiça e a Imparcialidade
Resulta dos limites impostos ao
poder discricionário da Administração previstos no art.º 266º/2 da CRP e do art.º
6º do CPA, juntando-se aos princípios que atrás analisámos. Comportando o seu
desenho constitucional uma visão tripartida, enquanto justiça strictu senso, segundo o qual todo o acto
administrativo praticado com base em manifesta injustiça é contrário à Constituição
e, portanto, ilegal, sendo passível de impugnação judicial, enquanto componente
implicadora de proporcionalidade, sob imposição do art.º 18º/2 da CRP, a
propósito dos Direitos, Liberdades e Garantias, impondo que a lei ordinária só
restringir estes direitos nos casos expressamente previstos na Constituição,
“devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros
direito ou interesses constitucionalmente protegidos”, e no art. 5º do CPA,
proibindo o sacrifício excessivo dos direitos e interesses dos particulares,
impondo a proporcionalidade das medidas restritivas com o mal que pretendem evitar,
sob pena de constituírem um excesso de poder.
II)
Enquadramento histórico-filosófico
A temática que aqui nos é pedida a parecer
implica que se tomem em prévia consideração algumas noções funcionais,
aproveitando a expressão de ADRIANO MOREIRA, acerca dos comummente chamados
“Direitos dos Animais”.
(1) A expressão, hoje em voga, não exprime
uma total adequação formal com a realidade que procura demonstrar. A afirmação
que aqui acabámos de fazer implica, ab
initio, uma tomada de posição.
A sua utilização não é pacífica porque a forma tradicional e, em nosso humilde
entender, da boa doutrina de ver o Direito é na base da pessoa e na perspectiva
do direito subjectivo, monumento essencial do sistema continental, uma forma de
imputação de direitos e deveres numa dada personalidade.
A personalidade jurídica, seja natural na sua relatividade com a pessoa singular, seja ficcionada com a sua
relação com as pessoas colectivas,
é a dotação jurídica a um determinado ente da existência em si de uma razão e/ou de uma vontade – seja por um
processo natural de imposição da própria
natureza da pessoa humana, seja pelo reconhecimento da essencialidade de determinadas instituições
humanas a quem o direito atribui uma forma de
manifestação de vontade – confirmando a ideia humanista do logos.
Outros nomes foram oferecidos à
questão – direitos animais, libertação animal, moralidade
animal – não sendo despicienda e ingénua a escolha específica de uma nomenclatura em especial, é
a velha forma de que o nome influi na
forma.
Sugerimos aqui o uso da expressão
deveres especiais dos homens para com os animais,
sem que nos limitemos, por meras razões de preciosismo linguístico, a usar da forma tradicional.
(2) De uma forma redutora podemos inferir que
serão uma forma de limitação à disposição arbitrária dos animais – diríamos
mais, uma limitação nas várias formas tradicionais dos direitos reais, a saber,
uso, fruição e disposição.
(3) O movimento originário e, em sua grande
parte, o actual não propugnam uma total intervenção pacífica e evolutiva, sofrendo
ainda hoje a imagem da protecção animal de um trauma de infância destes tempos
difíceis. A nosso ver este modo de estar está em correlação com a forma das
ideias em que a generalidade das instituições deste movimento se inspira, nomeadamente,
de influência pragmatista e utilitária. A generalização que aqui fazemos é até acompanhada
por alguns dos grandes autores, que lamentam alguns episódios radicais que
invadem, com clara desproporcionalidade, as nossas casas.
Exemplo paradigmático, é a crítica
de Peter Singer nas suas notas acerca do tema da Libertação Animal, publicado acerca
do escrito em Between the Species, no qual o insigne defensor lamenta actos de
desespero e de radicalidade politica, que na sua perspectiva utilitarista, nada
mais do que mancham a opinião pública – diz mesmo “a minha preocupação é com polarização
(...) sendo vital que o movimento de libertação animal evite a espiral viciosa
da violência”.
(4) Para mais, não nos parece que seja hoje
de adoptar a doutrina da igualação moral para os animais, nascente do especismo
da escola australiana de Oxford que acima referimos, seja qual for a forma de a
justificar – nomeadamente, com base em critérios comparativos de componentes
não cientificamente qualificáveis, como é o sofrimento, a alegria, a tristeza.
Seria, em última análise, um
exercício contraditório de dedução jurídica que usaria de conceitos
eminentemente humanos, dotados de uma componente de processamento racional, que
não podem ser generalizáveis aos seres vivos.
Não se trata aqui de dizer que os animais não
sofrem, não têm alegria ou tristeza, de uma forma ampla dos termos, mas
simplesmente que aquilo a que nos referimos em termos de linguagem formal
quanto a essa dualidade de ideia/imagem é a um conceito humano que não é
transponível na sua essência aos animais, por não podermos afirmar que a forma
racional em que vivem seja semelhante à humana. É factual que a animação da
vida é uma das grandes questões de que a existência humana terrena não consegue
responder.
(5) Com isto, não entramos na discussão que
num limbo, entre os limites da ciência como a conhecemos e a filosofia enquanto
a concebemos e compreendemos, permitisse uma síntese categorizadora dos seres
vivos em grandes animais sencientes e não sencientes. Como KIERKEGAARD, de forma
magistral, nos legou as pessoas são falíveis e limitadas e só através desse
reconhecimento podemos tentar desenvolver o entendimento e evitar o desespero –
começando essa limitação com a incapacidade de perfeita expressão – e apoiando
neste facto e na sua consequência basilar de que a ética é simultaneamente um
dever e uma obrigação pela qual se perde autonomia e se ganha responsabilidade
que justificamos o especial dever humano na protecção animal.
(6) Seria apenas por uma afirmação de uma
dúvida constante, que não é céptica, e, logo, não é metódica, que podemos
afirmar que não existe uma diferença basilar entre a existência humana e a
restantes formas de vida. O contrário é negar o princípio basilar da dignidade da
pessoa humana. Não é por acaso que esta temática seja em muito desenvolvida
pela Escola Pragmatista Norte-Americana. Levada ao extremo com WILLIAM JAMES, quando
proclama que a verdade e a rectidão moral eram apenas o que fosse mais
conveniente, criticado aqui por Pierce que propugnava uma razão de moralidade
para a escolha da acção, possibilita uma tal indiferença moral que nos leva a
afastar o objecto único da sua existência – o homem – usando quase da ideia de
uma ambiguidade e imprecisão naturais da moral que devem ser materializas,
segundo um critério de utilidade, ambiguidade e imprecisões estas que F. L. G.
FREGE dizia que “podiam estar bem para a poesia, mas a linguagem que lida com a
tentativa da verdade deve ser o mais precisa e clara que o homem consegue”.
Devemos então seguir na nossa
actividade moral, jurídica e humana apenas segundo aquilo que importa para a
vida prática?
III) Da
Questão em Apreço
A essência da fundamentação até agora
proposta deriva de um concurso entre os interesses individuais, propugnados
pelas garantias face à administração, e um interesse geral, subdividido num
interesse geral abstracto, o bem comum, e um interesse geral utilitário,
consubstanciando o bem popular – partimos desta fragmentação necessária,
analisámos o regulamento de um ponto de vista geral de Direito Administrativo,
analisámos o objecto e o conteúdo do regulamento numa perspectiva filosófica e histórica,
procurando uma síntese, uma possível ratio de um regime de iure condendo e cabe
agora analisar reflexões concretas sobre a regulamentação objectiva de um
regime jurídico relativo ao Animal Domestico.
(1) O direito de propriedade é chamado à colação
por constituir um corolário essencial da dignidade humana. Pode ser visto aqui
de duas formas essenciais, no domínio da propriedade dos cidadãos e da sua
reserva pessoal privada, e segunda o regime da propriedade dos animais.
Passamos a analisar, o direito de
propriedade é um direito real que integra todas a prerrogativas que se podem
ter sobre determinada coisa – uso, fruição e disposição. Tal como vem estabelecido
no artigo 1305.º do Código Civil “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo
dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem dentro
dos limites da lei e com observância das relações por ela impostas.”
No que concerne ao direito de
propriedade sob um animal doméstico resulta do artigo 493º/1 do Código Civil
que existem deveres de vigilância da coisa móvel que justificam uma
responsabilidade por danos que o animal cause. É manifesto que outros deveres
para além do dever de vigilância se tornam imperativos quando se trata de um
animal doméstico. Assim, não basta que o animal seja vigiado é necessário
garantir que todas as diligências a tomar pelo proprietário sejam respeitadas
para que haja uma convivência saudável entre os animais e a sociedade.
Já no que diz respeito ao direito
de propriedade sob bens imóveis, tomando graça da salvaguarda da reserva
privada, recai sobre o condómino não só os deveres presentes no regulamento do
condomínio como também os deveres que se podem retirar do artigo 1346º do Código
Civil. Aqui se compreendem os deveres que garantem uma utilização normal do
prédio, não podendo o proprietário emitir cheiros e ruídos, através dos seus
animais, que prejudiquem o uso substancial dos imóveis vizinhos.
(2) Esta dupla perspectiva do direito de propriedade
suscita à reflexão a autonomia privada que, também aqui impõe a sua análise
numa forma conciliadora, tendente à solidariedade social. Veja-se que a
autonomia privada permite apenas uma liberdade relativa, dentro dos limites estabelecidos
na lei, a vontade livremente expressa tem a capacidade criadora e modificativa
de relações jurídicas. O Princípio da autonomia privada e o direito à
intimidade da vida privada, ambos direitos fundamentais sujeitos ao regime dos
direitos, liberdades e garantias, só podem ser restringidos nos casos
expressamente previstos na Constituição, “devendo as restrições limitar-se ao
necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos” (artigo 18º/2 Constituição). Assim, no caso sub judice, uma restrição
desta natureza será sempre inconstitucional por violar o regime dos direitos,
liberdades e garantias.
(3) O art.º 26º da Lei Fundamental traz
diversos potenciais argumentos interessantes, são eles, o direito à identidade
pessoal, o direito ao desenvolvimento da personalidade, a reserva da vida
privada e, por último, a proibição de quaisquer formas de discriminação.
Colocam-se diversas perguntas em
conflito: Pode a falta de um animal doméstico ser um motivo impeditivo da
normal desenvolvimento da identidade pessoal? Há um direito, que advenha deste
direito fundamental, de desenvolvimento da personalidade sem contacto com os
animais?; Será a privação/contacto com os animais uma forma de imposição ou de
anulação da vontade?; A reserva da vida privada é afectada com uma intromissão legislativa
no sentido de regular o regime do Animal Domestico? Opera ela uma forma de
discriminação?
(7) São perguntas algo herméticas mas que têm
o valor de trazer consigo uma panóplia de origens de fundamentação possível.
Porém, todas elas se reconduzem à relação que acima descrevemos. Acreditamos,
aliás, que a dualidade igualdade vs. Liberdade é a pedra basilar da democracia,
é positiva e expectável, sendo os mesmos argumentos consumidos no percurso que aqui
tomámos.
(8) Independentemente de um qualquer regime
constitucional, não é hoje de negar em absoluto a simples existência de um
dever dos Estados para com princípios básicos de direito internacional, seja
ele por força do ius cogens, do direito convencional comum ou, mesmo de um
direito global.
Um destes temas essenciais é hoje
o do Direito do Ambiente, hoje um ramo de direito, com força constitucional. A
Constituição contem, essencialmente desde a revisão de 1997, várias normas
atinentes ao Ambiente.
Destacamos o art.º 66º, nº 1, que
afirma “todos têm direito a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente
equilibrado e o dever de o defender” e ao, segundo o nº 2, o Estado está incumbido
de “assegurar o direito ao ambiente no quadro de um desenvolvimento
sustentável”.
Para além do regime
constitucional, a Lei de Bases do Ambiente, Lei n.º 11/87, de 7 de Abril,
refere no sei art.º 17º, nº 3, “todos os cidadãos têm direito a um ambiente
humano e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, incumbindo ao
Estado, por meio de organismos próprios e por apelo a iniciativas populares e
comunitárias, promover a melhoria da qualidade de vida, quer individual quer
colectiva”.
Não será exagerado considerar que
o regulamento em análise está intimamente relacionado com questões ambientais.
(9) Contudo, a legislação nacional inclui
diversos preceitos directamente relacionados com os Animais, que urge
salientar.
O DL nº. 276/2001 define no seu
art.º 2º al. a) animal de companhia como “qualquer animal detido ou destinado pelo
homem designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia”, estabelecendo
que “as condições de detenção e de alojamento para reprodução, criação,
manutenção e acomodação dos animais de companhia devem salvaguardar os seus parâmetro
de bem estar animal” (art.º 7º, nº1).
Este ainda dispõe que os animais
devem dispor dos espaço adequado as suas necessidades fisiológicas e
etológicas, de um exercício físico adequado e deve prover-se de um refúgio de
animais sujeitos à agressão.
O diploma chega ao pormenor de
reflectir e impor condutas acerca da “temperatura, ventilação, luminosidade e obscuridade
das instalações que devem ser as adequadas à manutenção do conforto e bem-estar
das espécies que albergam” (art.º 9º, nº 1).
(10) Por outro lado, a Convenção Europeia para
a Protecção dos Animais de Companhia, no seu art.º 4º estabelece que qualquer
pessoa que possua um animal de companhia ou que tenha aceitado ocupar-se dele
deve ser responsável pela sua saúde e bem-estar. Deve ainda proporcionar “instalações,
cuidados e atenção que tenham em conta as suas necessidades ecológicas, em
conformidade com a sua espécie e raça” e, nomeadamente, fornecer em quantidade
suficiente alimentação e água adequadas, dar-lhe possibilidades de exercício
adequado, tomar todas as medidas razoáveis para não o deixar fugir.
Neste mesmo artigo é restringido
o direito a deter um animal a quem cumpra as condições referidas e somente se o
animal se adaptar ao cativeiro.
(11) Não será de parca importância chamar
aqui o tema da segurança, a essência para alguns da existência do Estado.
Seguindo a metodologia de que temos vindo a seguir, voltamos a frisar a dupla
perspectiva da segurança em análise entre a preocupação social, nomeadamente,
com a saúde pública (art.º 64º) e o bem-estar, e a segurança do ponto
individual, da vida, da integridade, do desenvolvimento saudável, sem esquecer
a segurança como um valor unitário fundamental e com conformidade própria (cfr.
Art.º 27º CRP).
(12) De iure condendo, tomamos posição essencial
quanto a alguns factos em juízo.
Assim, quanto a limitações de
quantidade para a detenção de animais domésticos a solução não passa por estabelecer
um limite ao número de animais, desde que o proprietário do animal garanta a
inexistência de prejuízo substancial para os vizinhos e da comunidade. Garantindo
sempre a segurança e integridade física de pessoas, verbo gratia, uso de trela
obrigatório e sujeito a coima, se desrespeitado; um ambiente sadio e limpo que
permita uma saudável convivência entre os animais domésticos e as restantes
pessoas -vacinação obrigatória, desparasitação, acompanhamento veterinário,
sendo os animais potenciais transmissores de doenças – a detenção de um animal
é uma escolha constitutiva de responsabilidade, obrigando o mesmo a garantir a
sua limpeza e saúde.
No fundo, a qualidade de vida dos
restantes condóminos (proprietários ou não de animais domésticos) não deve, nem
pode, ser diminuída nomeadamente prejudicando o direito ao descanso que cada
condómino é titular (ruídos e cheiros) e o direito a um ambiente saudável e
limpo. Para tal, sugerimos que se criem por Lei pesadas coimas que sancionem os
infractores, determinadas por lei, segundo o que dispõe o artigo 165º/1 d) da CRP.
(13) Uma forma alternativa, garantindo a
dupla protecção social e individual, é pelo aumento das obrigações pessoais e
administrativas nesta matéria.
As primeiras através de regras de
cuidado mínimo promovendo a qualidade de vida geral e um ambiente saudável e
limpo, salvaguardadas através de um regime de coimas – definidas num âmbito
nacional, sem pena da subsidiariedade da necessidade de medidas locais
extraordinárias, e por outro lado, quanto à Administração, um conjunto de
deveres funcionais, quase-poderes-funcionais, que obriguem a uma fiscalização
efectiva e recaiam tanto sobre a Administração Central como Periférica. Aqui
têm especial importância as Autarquias locais, nomeadamente, através dos serviços
de veterinária local e dos delegados de saúde pública, que devem manter um
contacto regular e constante.
(14) Posto isto, cabe agora atender ao
Princípio da Proporcionalidade, solução que apontamos para a questão controvertida
em análise. Princípio que impõe um equilíbrio não conseguido pelo Regulamento
do Animal Doméstico, entre necessidades e interesses, maxime os direitos, dos cidadãos
individualmente considerados e os interesses da sociedade.
Segundo FREITAS DO AMARAL, “a
proporcionalidade é o princípio segundo o qual a limitação de bens ou
interesses privados por actos dos poderes públicos deve ser adequada e
necessária aos fins concretos que tais actos prosseguem, bem como tolerável
quando confrontada com aqueles fins, tendo como dimensões fundamentais, a
adequação, a necessidade e o equilíbrio”. É desta forma que o Princípio da
proporcionalidade se decompõe em três subprincípios: o princípio da idoneidade
ou adequação, o princípio da necessidade e o princípio da racionalidade ou do
equilíbrio.
A adequação traduz-se na
existência de um meio adequado, ajustado ao fim que se visa atingir, sob pena
de ser considerado arbítrio.
O subprincípio da necessidade,
segundo o qual se deve acolher, de entre as medidas abstractamente idóneas para
atingir o fim que se prossegue, aquela que melhor satisfaz in concretu com
menos custos a realização dos objectivos. Portanto deve se ter em conta a
medida menos lesiva em relação aos direitos e interesses dos particulares, sob
pena de se considerar que houve excesso na medida.
Por fim, através do subprincípio
da racionalidade pretende-se atingir o equilibro, visto como proporcionalidade
em sentido estrito. Trata-se da justa medida e implica que o órgão responsável
proceda a uma correcta avaliação da providência em termos de tal jeito que ela
não fique além ou aquém do que importa alcançar. Nem para mais, nem para menos.
E era exactamente este ponto que queríamos frisar. A medida não pode nem
exceder os objectivos propostos nem, por outro lado, ficar aquém dos mesmos. É
nítido que o Regulamento do Animal Doméstico não respeitou este subprincípio da
racionalidade. Não encontrou o equilíbrio exigido para a situação em concreto e,
como tal, desrespeitou o Princípio da proporcionalidade. Era necessário que
tivesse confrontado todos os interesses e direitos em conflito.
Ora, na situação sub judice é
manifesto que o Regulamento adoptado, apesar de ter como objectivos interesses
de fundamental relevo e valor para o interesse público, ficou muito aquém dos
mesmos. O regulamento em causa além de ser inapto a prosseguir os objectivos
propostos, não fez uma correcta reflexão sobre os interesses sacrificados o que,
em nosso entender, resultou num desnecessário sacrifício excessivo de certos
direitos fundamentais.
O que é essencial nesta matéria é
encontrar o equilíbrio entre os interesses “em jogo”. Só para referir alguns
exemplos, estamos a lidar com direitos tão fundamentais como o direito à
liberdade, à segurança, à igualdade, o direito de propriedade privada, o direito-dever
à protecção da saúde, “o direito a um ambiente de vida humano, sadio e
ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”, o direito à reserva da
intimidade da vida privada e familiar, entre muitos outros que estão nitidamente
em conflito nos objectivos do Regulamento do Animal Doméstico. Como tal, é
imperativo tratar estas questões com uma maior sensibilidade e ponderação.
Insistimos que se torna cada vez mais urgente uma regulamentação eficaz desta
matéria.
Ricardo Ferreira n.º 140110120
Manuel Saraiva n.º 149113703
Mafalda Santos n.º 140109091
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