Conselho Consultivo da PGR
Exmª. Senhora Procuradora-Geral
da República:
Apresentação de
Consulta
Solicitou V. Ex.ª ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da
República a emissão de parecer, através de Despacho datado de 1 de Dezembro de
2013, sobre o Proc. N.º 9241/13.1YXLSB a correr no Tribunal Administrativo e
Fiscal do Círculo de Lisboa, nomeadamente sobre as questões respeitantes à
constitucionalidade da Lei 775/2013 de 22 de Fevereiro e sobre o mérito da
causa.
Parecer do Ministério Público
Nos termos do artigo 219º/1 da Constituição da República
Portuguesa e 85º/2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos
(doravante CPTA), o Ministério Público (doravante MP) pode solicitar a
realização de diligências instrutórias, bem como pronunciar-se sobre o mérito
da causa, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de
interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores
ou bens referidos no nº2 do artigo 9º do CPTA. Neste sentido vem o MP emitir
parecer, pronunciando-se sobre as seguintes questões:
I - Da Constitucionalidade
Orgânica e Formal da lei n.º 775/2013 de 22 de Fevereiro.
II - Da competência do
Tribunal.
III - Da impugnação do
Regulamento de execução n.º 123/2013 de 1 de Abril.
IV - Sobre o mérito da
causa.
V - Considerações
finais.
I. Por força do
artigo 198 n.º2 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) é da
exclusiva competência do Governo legislar sobre as matérias relativas à sua
organização e funcionamento. Neste caso a Lei (habilitante) n.º 755/2013 de 22
de Fevereiro, que estabelece o regime jurídico que autoriza a delegação de
poderes entre o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia e o
Ministério da Agricultura e do Mar, foi aprovada por uma Lei da Assembleia da
República (doravante AR).
Ora a delegação de poderes entre dois
Ministérios não pode deixar de ser compreendida como sendo respeitante à
organização e funcionamento do Governo. Nesta linha, para a supra citada lei
habilitante ser válida face à CRP, deveria esta, ter sido aprovada em Conselho
de Ministros e revestir a forma de Decreto-lei nos termos do artigo 198 n.º2 da
CRP.
Conclui o MP pela inconstitucionalidade
orgânica e formal da Lei n.º 755/2013 de 22 de Fevereiro.
II. Poder-se-ia ainda levantar a questão de saber se, ao abrigo
do art.4º nº2, al. a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o
Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa seria competente para apreciar de
um acto praticado no exercício da função legislativa, mais concretamente para
apreciar da constitucionalidade de uma lei.
Parece-nos contudo que, não tendo a
questão sido suscitada na Petição Inicial do Autor nem na Contestação dos réus,
é uma questão que se levanta apenas a título incidental, não constituindo
objecto da causa de pedir.
Não se deve portanto considerar o
Tribunal incompetente quanto a esta questão. O Tribunal tem competência para
apreciar da inconstitucionalidade da Lei, ao abrigo do disposto no artigo 204º da CRP, não sendo portanto necessário
remeter a questão para o Tribunal Constitucional.
III. Em sede de julgamento, procedeu o MP, à impugnação oficiosa
do regulamento de execução n.º 123/2013 de 1 de Abril ao abrigo do artigo 55 n.º 1 alínea b) e do artigo 73 n.º 3 do CPTA, permitindo, a
última disposição referida, a impugnação sem que se tenham verificado três
casos de recusa de aplicação por tribunal competente.
Para tal impugnação considerou o MP que, ao
abrigo do art. 133º/1, al. a) do CPA, o regulamento sofria do vício da nulidade
por ter sido aprovado por orgão não competente para tal. A delegação de
competência, feita pelo Despacho nº 13322/2013, não é válida por não haver Lei
habilitante legítima para o efeito. Pelas considerações anteriormente feitas a
respeito da inconstitucionalidade da Lei nº 755/2013, somos forçados a
considerar esta delegação de competência ilegal e portanto nulo o Regulamento nº213/2013, de 1 de Abril.
Por estes motivos, e por nos ser permitido,
procedemos oficiosamente à impugnação do Regulamento.
IV. Abstraindo-se agora dos pontos supra referidos, é também
competência do MP pronunciar-se sobre o mérito da causa nos termos do artigo 85
n.º2 do CPTA.
Com este exercício pretende o MP aferir se,
na elaboração deste regulamento, foram cautelosamente ponderados os direitos fundamentais
em conflito, assim como a prossecução do interesse público.
1. Quanto ao Direito ao
ambiente previsto no artigo 66º da CRP. Considera o MP que o regulamento de execução n.º
123/2013 de 1 de Abril é legitimo no que toca ao número máximo de animais que podem habitar com as pessoas em
frações de prédios urbanos. Com esta medida, procura-se salvaguardar as
condições de higiene e de segurança quer dos animais quer do proprietário e
proteger os interesses dos que residem nas fracções autónomas contiguas no mesmo
prédio urbano.
2. Quanto ao direito à saúde pública do artigo 64º da CRP, consideramos, mais uma vez, o regulamento legítimo na medida em que este, pretende zelar pela criação de condições sociais e ambientais que garantam a protecção da infância, da juventude e da velhice, assim como a melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho.
3. Quanto ao direito à propriedade, parece-nos existir de facto uma limitação imposta pelo regulamento ao direito de propriedade sobre os animais, na medida em que limita a discricionariedade quanto ao número de animais que cada cidadão pode ter na sua habitação.
Ainda assim parece-nos ser, esta limitação, razoável, adequada e proporcional.
4. Este entendimento leva-nos à apreciação do princípio da proporcionalidade. Impõe este princípio que, restringindo um direito fundamental, um acto normativo seja razoável e adequado, necessário e proporcional stricto sensu. E não nos parece haver uma desconformidade com tal princípio no regulamento em causa. As medidas impostas pelo regulamento parecem-nos idóneas à prossecução do fim por si visado, nomeadamente à protecção dos direitos e interesses supra referidos. Não nos parece ainda que das medidas abstractamente idóneas à prossecução deste fim houvesse outras menos gravosas, não havendo aqui, em nosso entender, violação da proporcionalidade. Neste mesmo sentido aponta o Business Plan apresentado pelo réu e que nos parece de aceitar e considerar.
5. Quanto ao livre desenvolvimento da personalidade, de natureza tão civilistica, é de seguir o entendimento de que as medidas adoptadas pelo Regulamento não são violadoras deste direito mas antes protectoras do mesmo. Considera-se que, sem as limitações impostas, pode haver lugar a perturbações consideráveis na personalidade de um cidadão em cuja habitação residam também um número desrazoável de animais, como consideramos ser o caso do autor neste processo.
6. Por fim, quanto à autonomia privada, é do entender do MP que este direito deve também ele ser sujeito a restrições, na medida em que possa interferir com direitos fundamentais mais valiosos de outros cidadãos. Quando direitos como a saúde, o ambiente e o livre desenvolvimento da personalidade são confrontados com a autonomia privada não nos parece admissível que este prevaleça sobre os primeiros.
2. Quanto ao direito à saúde pública do artigo 64º da CRP, consideramos, mais uma vez, o regulamento legítimo na medida em que este, pretende zelar pela criação de condições sociais e ambientais que garantam a protecção da infância, da juventude e da velhice, assim como a melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho.
3. Quanto ao direito à propriedade, parece-nos existir de facto uma limitação imposta pelo regulamento ao direito de propriedade sobre os animais, na medida em que limita a discricionariedade quanto ao número de animais que cada cidadão pode ter na sua habitação.
Ainda assim parece-nos ser, esta limitação, razoável, adequada e proporcional.
4. Este entendimento leva-nos à apreciação do princípio da proporcionalidade. Impõe este princípio que, restringindo um direito fundamental, um acto normativo seja razoável e adequado, necessário e proporcional stricto sensu. E não nos parece haver uma desconformidade com tal princípio no regulamento em causa. As medidas impostas pelo regulamento parecem-nos idóneas à prossecução do fim por si visado, nomeadamente à protecção dos direitos e interesses supra referidos. Não nos parece ainda que das medidas abstractamente idóneas à prossecução deste fim houvesse outras menos gravosas, não havendo aqui, em nosso entender, violação da proporcionalidade. Neste mesmo sentido aponta o Business Plan apresentado pelo réu e que nos parece de aceitar e considerar.
5. Quanto ao livre desenvolvimento da personalidade, de natureza tão civilistica, é de seguir o entendimento de que as medidas adoptadas pelo Regulamento não são violadoras deste direito mas antes protectoras do mesmo. Considera-se que, sem as limitações impostas, pode haver lugar a perturbações consideráveis na personalidade de um cidadão em cuja habitação residam também um número desrazoável de animais, como consideramos ser o caso do autor neste processo.
6. Por fim, quanto à autonomia privada, é do entender do MP que este direito deve também ele ser sujeito a restrições, na medida em que possa interferir com direitos fundamentais mais valiosos de outros cidadãos. Quando direitos como a saúde, o ambiente e o livre desenvolvimento da personalidade são confrontados com a autonomia privada não nos parece admissível que este prevaleça sobre os primeiros.
V. Tendo em conta os factos supra referidos é
nos permitido concluir que o regulamento em causa é ilegal, por se fundamentar
numa delegação de comeptências baseada em lei orgânica e formalmente
inconstitucional. Do ponto de vista material o regulamento é sensível aos
direitos fundamentais e à prossecução do interesse publico vendo o MP utilidade
na elaboração do mesmo. Como tal, ainda que anulados os efeitos deste
regulamento, outro de semelhante conteúdo e objeto deverá ser aprovado por órgão
competente para o efeito.
ESTE PARECER FOI
VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 07
DE DEZEMBRO DE 2013.
João Maria Castelo
Branco da Cunha – José Pedro Soares (Relator) – Frederico Sousa de Macedo – Dr.
Freud – Inês Blanco – Otto “o Máior” – Otto Balofo
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