domingo, 8 de dezembro de 2013

Parecer do Ministério Público


PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
Conselho Consultivo da PGR

Exmª. Senhora Procuradora-Geral da República:

Apresentação de Consulta

Solicitou V. Ex.ª ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a emissão de parecer, através de Despacho datado de 1 de Dezembro de 2013, sobre o Proc. N.º 9241/13.1YXLSB a correr no Tribunal Administrativo e Fiscal do Círculo de Lisboa, nomeadamente sobre as questões respeitantes à constitucionalidade da Lei 775/2013 de 22 de Fevereiro e sobre o mérito da causa.

Parecer do Ministério Público

Nos termos do artigo 219º/1 da Constituição da República Portuguesa e 85º/2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), o Ministério Público (doravante MP) pode solicitar a realização de diligências instrutórias, bem como pronunciar-se sobre o mérito da causa, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no nº2 do artigo 9º do CPTA. Neste sentido vem o MP emitir parecer, pronunciando-se sobre as seguintes questões:

I - Da Constitucionalidade Orgânica e Formal da lei n.º 775/2013 de 22 de Fevereiro.

II - Da competência do Tribunal.

III - Da impugnação do Regulamento de execução n.º 123/2013 de 1 de Abril.

IV - Sobre o mérito da causa.

V - Considerações finais.

I. Por força do artigo 198 n.º2 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) é da exclusiva competência do Governo legislar sobre as matérias relativas à sua organização e funcionamento. Neste caso a Lei (habilitante) n.º 755/2013 de 22 de Fevereiro, que estabelece o regime jurídico que autoriza a delegação de poderes entre o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia e o Ministério da Agricultura e do Mar, foi aprovada por uma Lei da Assembleia da República (doravante AR).

Ora a delegação de poderes entre dois Ministérios não pode deixar de ser compreendida como sendo respeitante à organização e funcionamento do Governo. Nesta linha, para a supra citada lei habilitante ser válida face à CRP, deveria esta, ter sido aprovada em Conselho de Ministros e revestir a forma de Decreto-lei nos termos do artigo 198 n.º2 da CRP.

Conclui o MP pela inconstitucionalidade orgânica e formal da Lei n.º 755/2013 de 22 de Fevereiro.

II. Poder-se-ia ainda levantar a questão de saber se, ao abrigo do art.4º nº2, al. a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa seria competente para apreciar de um acto praticado no exercício da função legislativa, mais concretamente para apreciar da constitucionalidade de uma lei.

Parece-nos contudo que, não tendo a questão sido suscitada na Petição Inicial do Autor nem na Contestação dos réus, é uma questão que se levanta apenas a título incidental, não constituindo objecto da causa de pedir.

Não se deve portanto considerar o Tribunal incompetente quanto a esta questão. O Tribunal tem competência para apreciar da inconstitucionalidade da Lei, ao abrigo do disposto no artigo  204º da CRP, não sendo portanto necessário remeter a questão para o Tribunal Constitucional.

III. Em sede de julgamento, procedeu o MP, à impugnação oficiosa do regulamento de execução n.º 123/2013 de 1 de Abril ao abrigo do artigo  55 n.º 1 alínea b) e do artigo 73 n.º 3 do CPTA, permitindo, a última disposição referida, a impugnação sem que se tenham verificado três casos de recusa de aplicação por tribunal competente.

Para tal impugnação considerou o MP que, ao abrigo do art. 133º/1, al. a) do CPA, o regulamento sofria do vício da nulidade por ter sido aprovado por orgão não competente para tal. A delegação de competência, feita pelo Despacho nº 13322/2013, não é válida por não haver Lei habilitante legítima para o efeito. Pelas considerações anteriormente feitas a respeito da inconstitucionalidade da Lei nº 755/2013, somos forçados a considerar esta delegação de competência ilegal e portanto nulo o Regulamento nº213/2013, de 1 de Abril.

Por estes motivos, e por nos ser permitido, procedemos oficiosamente à impugnação do Regulamento.

IV. Abstraindo-se agora dos pontos supra referidos, é também competência do MP pronunciar-se sobre o mérito da causa nos termos do artigo 85 n.º2 do CPTA.

Com este exercício pretende o MP aferir se, na elaboração deste regulamento, foram cautelosamente ponderados os direitos fundamentais em conflito, assim como a prossecução do interesse público.

          1.        Quanto ao Direito ao ambiente previsto no artigo 66º da CRP. Considera o MP que o regulamento de execução n.º 123/2013 de 1 de Abril é legitimo no que toca ao número máximo de animais que podem habitar com as pessoas em frações de prédios urbanos. Com esta medida, procura-se salvaguardar as condições de higiene e de segurança quer dos animais quer do proprietário e proteger os interesses dos que residem nas fracções autónomas contiguas no mesmo prédio urbano.

   2.       Quanto ao direito à saúde pública do artigo 64º da CRP, consideramos, mais uma vez, o regulamento legítimo na medida em que este, pretende zelar  pela criação de condições sociais  e ambientais que garantam a protecção da infância, da juventude e da velhice, assim como a melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho.

   3.      Quanto ao direito à propriedade, parece-nos existir de facto uma limitação imposta pelo regulamento ao direito de propriedade sobre os animais, na medida em que limita a discricionariedade quanto ao número de animais que cada cidadão pode ter na sua habitação.
Ainda assim parece-nos ser, esta limitação, razoável, adequada e proporcional.

   4.       Este entendimento leva-nos à apreciação do princípio da proporcionalidade. Impõe este princípio que, restringindo um direito fundamental, um acto normativo seja razoável e adequado, necessário e proporcional stricto sensu. E não nos parece haver uma desconformidade com tal princípio no regulamento em causa. As medidas impostas pelo regulamento parecem-nos idóneas à prossecução do fim por si visado, nomeadamente à protecção dos direitos e interesses supra referidos. Não nos parece ainda que das medidas abstractamente idóneas à prossecução deste fim houvesse outras menos gravosas, não havendo aqui, em nosso entender, violação da proporcionalidade. Neste mesmo sentido aponta o Business Plan apresentado pelo réu e que nos parece de aceitar e considerar.

   5.       Quanto ao livre desenvolvimento da personalidade, de natureza tão civilistica, é de seguir o entendimento de que as medidas adoptadas pelo Regulamento não são violadoras deste direito mas antes protectoras do mesmo. Considera-se que, sem as limitações impostas, pode haver lugar a perturbações consideráveis na personalidade de um cidadão em cuja habitação residam também um número desrazoável de animais, como consideramos ser o caso do autor neste processo.


   6.        Por fim, quanto à autonomia privada, é do entender do MP que este direito deve também ele ser sujeito a restrições, na medida em que possa interferir com direitos fundamentais mais valiosos de outros cidadãos. Quando direitos como a saúde, o ambiente e o livre desenvolvimento da personalidade são confrontados com a autonomia privada não nos parece admissível que este prevaleça sobre os primeiros.



V. Tendo em conta os factos supra referidos é nos permitido concluir que o regulamento em causa é ilegal, por se fundamentar numa delegação de comeptências baseada em lei orgânica e formalmente inconstitucional. Do ponto de vista material o regulamento é sensível aos direitos fundamentais e à prossecução do interesse publico vendo o MP utilidade na elaboração do mesmo. Como tal, ainda que anulados os efeitos deste regulamento, outro de semelhante conteúdo e objeto deverá ser aprovado por órgão competente para o efeito.



ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 07 DE DEZEMBRO DE 2013.



João Maria Castelo Branco da Cunha – José Pedro Soares (Relator) – Frederico Sousa de Macedo – Dr. Freud – Inês Blanco – Otto “o Máior” – Otto Balofo

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