terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Providência Cautelar contra a Carris

Exmos. Senhores Juízes de Direito do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Círculo de Lisboa

Noé das Arcas, com domicílio na Rua Augusta, nº 39, 3º Direito, 1149, Lisboa, de ora em diante designado por Autor, representado por Ana Luísa Melo, Catarina Almeida, Filipa Portella, Inês Graça, João Perdigão, Joana Francisco, José Marcão e Raquel Boularot,

Vem instaurar contra

Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A., com sede na Rua 1º de Maio, nº103, 1300-427 Lisboa, de ora em diante designado por “Carris”,

Uma PROVIDÊNCIA DE SUSPENSÃO DE UM ACTO ADMINISTRATIVO OU DE UMA NORMA, para suspensão do Regulamento Interno emitido pela Carris na sequência do regulamento “Animais Domésticos”, na pendência do processo principal, ao abrigo dos artigos 130 e 112 e seguintes do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA),

I – Dos factos
Noé constituiu-se como profissional liberal, trabalhando como medium e guia espiritual. Para conceder a ajuda que lhe requerem, Noé apoia-se e inspira-se em alguns animais, que representam para si um meio de contacto com o além.

Noé tinha contratado com o Xeique Al Alibibi O´ Alibaba uma prestação de serviços com recurso a animais, no valor de um milhão de euros.

Noé estava acompanhado de dois cães e um gato, cumpria todas as condições de segurança e sanidade necessárias para o transporte de animais em transportes públicos urbanos. Os animais tinham, aliás, sido desparasitados pelo veterinário no mesmo dia, tendo o veterinário lhes dado banho nessa manhã;

Para este efeito, no dia dois de Outubro de dois mil e treze, pelas nove horas e vinte minutos, Noé dirigiu-se ao eléctrico nº28 da CARRIS, na paragem da Praça Luís de Camões, Lisboa, como sempre faz;

Apesar dos factos supra citados, Noé foi impedido de entrar no eléctrico e por conseguinte, de se deslocar até ao seu pretenso destino;

O funcionário que impediu Noé de entrar no veículo invocou o regulamento interno emitido pela Carris a quinze de Setembro de dois mil e treze.

O Autor não dispõe de outro meio de transporte alternativo. Não tem habilitação legal para conduzir, uma vez que não possuí carta de condução;

Acresce o facto de o elétrico ser o único meio de transporte que circula de janelas abertas, reunindo as condições necessárias ao transporte saudável dos animais;

A proibição em causa, para além dos constrangimentos óbvios de quem se vê impedido de se transportar para onde deseja, fez com que Noé incumprisse o contrato a que estava vinculado com o Xeique Alibibi, estando os prejuízos, respeitantes a este dia, avaliados em um milhão de euros;

10º
O Autor continua a exercer a sua profissão liberal com carácter de habitualidade, pelo que continuará a ser-lhe indispensável a circulação no eléctrico;

11º
Contudo, sistematicamente a sua entrada no eléctrico tem sido recusada com fundamento no regulamento;
12º
Desta forma, Noé tem sofrido constantes perturbações no exercício da sua actividade profissional com os inerentes danos;

13º
Durante a vigência do regulamento, é expectável que a circulação lhe continue a ser negada, prevendo-se a continuação das perturbações profissionais acima referidas;


II – De direito
14º
Não obstante o decurso da acção principal, é possível, nos termos do art.º 112 n.º 1, recorrer à tutela cautelar como forma de assegurar a utilidade da sentença a proferir;

15º
Como refere o art 114 n.º1 c), esta providência pode ser solicitada, desde que em requerimento próprio, na pendência do processo principal;

16º
O presente tribunal é competente em razão da matéria segundo o art. 1º e o art. 4º nº1 al. e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e é competente territorialmente nos termos do artigo 16º CPTA e o meio processual é o idóneo. Também é competente para conhecer da providência segundo o art. 132º nº3 e 114º nº 2 do CPTA.

17º
A providência cautelar em causa encontra-se estipulada nos art.º112° n.º2 a) e no art.º130, sendo exigível que ocorram os dois requisitos essenciais – fumus boni iuris e periculum in mora – do art.º 381° do CPC.

18º
Acrescem aos requisitos gerais os do art.º 120° n°1 al. b), como sendo o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal; e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito.

19º
O regulamento interno da Carris, cuja eficácia se pretende ver suspensa, tem como fonte o Regulamento nº1234/67, emitido pelo Ministério da Agricultura e do Mar.

20º
Como referido no processo principal, ao qual se apensa a presente providência, o Regulamento nº1234/67 está ferido de ilegalidade orgânica, material e formal.


21º
Da ilegalidade orgânica:

O Regulamento foi emitido pelo Ministério Agricultura e do Mar. Contudo, segundo o art.º 29º nº1 do art.º CPA e o art.º 16º-A da Lei Orgânica do presente Governo, este não é competente para a regulamentação desta matéria. Seria competente o Ministério do Ambiente, da Agricultura e do Mar.

22º
Da ilegalidade material e formal:

O Regulamento, a suspender por este Tribunal, estabelece restrições no âmbito de direitos, liberdades e garantias, maxime ao direito de propriedade. Este direito fundamental é protegido constitucionalmente pelo art.º61ºnº1 da Constituição da República Portuguesa, e, como tal, segundo o art.º17º e o art.º165 da Constituição, só poderá ser restringido mediante lei formal.

23º
Assumindo a dependência entre ambos os pedidos, e decretada, como se espera, a ilegalidade do regulamento Ministerial, será também procedente o pedido de ilegalidade relativo ao Regulamento da Carris.

24º
Com efeito, por via da ilegalidade demonstrada, não há qualquer restrição que obste ao direito de Noé usufruir dos transportes públicos em causa. Verifica-se desta forma a aparência do direito invocado.

25º
No que ao periculum in mora respeita, são expectáveis danos semelhantes aos descritos nos artigos 10º a 13º da presente peça processual. Deste modo, não se poderá esperar até à decisão judicial da petição principal, sob pena de grave prejuízo para o autor.

26º
Note-se que os contratos supra referidos correspondem a prestações com prazo certo, e que os danos daí provenientes são dificilmente reparáveis, nomeadamente pela elevada quantia que representam.

27º
Uma vez verificados, no caso concreto, os pressupostos da tutela cautelar, não se configuram obstáculos à procedência desta ação.

28º
Estando reunidos as condições necessárias para o conhecimento deste pedido, e demonstrada a fundamentação do mesmo, pede-se a este Tribunal que decrete, com a máxima celeridade possível, a suspensão de eficácia do regulamento interno da Carris.


Em mandato judicial e como advogados de Noé das Arcas, com procuração já apresentada neste Tribunal e anexada a esta peça processual, Ana Luísa Melo, Catarina Almeida, Filipa Portella, Inês Graça, Joana Francisco, José Marcão e Raquel Boularot, João Perdigão, domiciliados na Universidade Católica, Palma de Cima, Lisboa.
  

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